O divorciado
Esse episódio aconteceu quando o Vilson saiu para a lida na roça e encontrou um compadre divorciado na estrada. Conversaram um tantinho e o compadre lhe disse que uma das coisas ruins de estar separado é que não se tinha o que comer em casa. O Vilson ficou compadecido com a situação e prontamente o mandou à sua casa para comer o bolo frito que a esposa tinha recém tirado do forno. Gritou para a mulher ali da estrada mesmo, mas ela não escutou.
Quando o compadre bateu na porta e ninguém atendeu, resolveu dar uma volta por fora da casa, pois que as janelas estavam abertas e ela poderia estar em algum quarto. Encontrou-a abaixada ao lado da cama do casal fazendo um esforço inaudito para consertar alguma coisa.
Chamou a comadre que levou um susto ao ver o compadre na janela, todo penteado de brilhantina e cheiroso. Ela levantou arrumando a saia e dizendo numa rapidez melancólica que não sabia como é que a cama tinha se quebrado e o compadre, muito solícito e com fome, ofereceu-se para ajudar.
Arrumou a cama, comeu o bolo e conversou amenidades rapidamente porque ficava muito chato que ele estivesse ali justamente quando o marido estava no trabalho.
À noite, quando o Vilson foi se deitar encontrou uma chave perdida entre o pé da cama e a mesinha de por o copo d’água. Pegou a chave, mordeu os lábios e não reconheceu a dita cuja, mas mesmo assim testou em todas as suas portas e trancas. Em nenhuma serviu. Embrulhou a chave num lenço e guardou no bolso da calça. Não falou nada e engoliu pesadamente as ideias que vinham em sua cabeça. Que diabos era aquilo?
Não conseguiu dormir e custou a levantar no dia seguinte.
Resolveu que contaria ao compadre sobre o descobrimento da chave para ver se ele lhe ajudava com algum conselho. Bateu na porta da casa do homem e ouviu que era para ele dar a volta e entrar pela despensa já que tinha perdido a chave da porta da cozinha.
Pois o Vilson ficou pálido com o que ouviu e resolveu – num ímpeto – que cuidaria o momento que o compadre saísse para experimentar a chave que encontrou na porta daquele divorciado. E o compadre percebeu a raiva de cão que perpassava nos olhos do Vilson e se perguntou o porquê da visita e uma comoção passou pelo seu coração de homem sozinho: O Vilson teria descoberto alguma coisa?
O Vilson escondeu-se num mato ao lado da casa do compadre e esperou. Suava tanto que chegou a passar mal, tanto pelo calor como pelas desconfianças que estavam a um passo de serem confirmadas, e se fossem, não queria nem pensar para não ter um ataque ali mesmo. Quando o compadre saiu, o Vilson desembrulhou a chave do lenço e com as mãos trêmulas e molhadas tentava acertar a fechadura, mas estava tão nervoso que não conseguia. Tratou de acalmar-se e por fim ouviu o clique da traição.
Nem pensava o coitado, tomado de fúria incontrolável deu um coice na porta que bateu na parede e voltou a fechar indo de encontro ao seu rosto estupefato. Esse acidente fez com que o Vilson voltasse à razão e então resolveu que daria uma janta ao compadre e confrontaria a esposa e o amante na mesa da cozinha.
Avisou a esposa que preparasse um belo jantar e pediu à filha que tomasse banho e vestisse a melhor roupa que tinha.
Chamou o compadre para a ceia e quando este sentou à mesa, o Vilson jogou a chave no peito do traidor e disparou uma série de impropérios dizendo que era para ele e a esposa sumirem de suas vistas e gritou dando vazão aos sentimentos de traído que a esposa saísse de casa só com a roupa do corpo e que fossem viver aquela sem-vergonhice longe dos olhos dele e da filha.
A filha tremeu e começou a chorar dizendo não ser a mãe a amante do compadre e sim ela, iria embora bastava que o namorado se levantasse.
E o Vilson que acompanhava o desenrolar da cena, olhou para a esposa e num sentimento que passou no fundo do seu peito o fez acreditar que não era só a filha a concubina daquele divorciado.