378-MANÉ FOGUETEIRO-Drama

Ganhou a vida fazendo foguetes. Foguetes e outros artefatos do gênero: bombas, bombinhas, busca-pés e rojões. O apelido acompanha-o há muito tempo, tanto tempo que ninguém mais se lembra de seu nome.

Do artesanato e amadorismo Mané Fugueteiro foi evoluindo para a fabriqueta no fundo do quintal, depois um barraco coberto de folhas de zinco, mais tarde um barracão e, enfim, a Fábrica de Fogos Mandacaru, com galpão de muitas centenas de metros de construção, onze operários e vendedores espalhados em todo o interior do estado.

Nos anos mais recentes, um de seus operários fez curso na capital e passou a usar os fogos para abrir as festas de inauguração de obras públicas, festas religiosas e comícios políticos. Baterias de foguetes e rojões, montados a uma certa distância do evento, proporcionavam um espetáculo de luz e de muito barulho, tão ao agrado do povo.

A prosperidade bateu à porta e entrou na vida de Mané Fugueteiro. Criou a família de onze filhos e meia centena de netos. Comprou propriedades na cidade e até uma boa fazenda com rebanho de mais de duzentas cabras.Tudo graças aos fogos. Tudo crescendo e aumentando, até o dia em que Mané festejou o casamento da filha mais nova, Deolinda, com um famoso repentista.

— Vamos ter a maior queima de fogos deste mundo! — Anunciou, orgulhoso do magnífico espetáculo pirotécnico que planejara. E começou a produzir uma quantidade extra de foguetes, rojões e fogos luminosos, exclusivamente para a festa.

O dia amanheceu luminoso e quente. A cerimônia tinha sido adrede combinada com padre Libânio, pároco da localidade: marcada para as 18 horas, seria realizada na fazenda do próprio Mané Fugueteiro. Um grande barracão foi erguido defronte à casa sede, coberto de sapé, bem fresco e arejado.Enfeites de papel crepom e flores artificiais, como guirlandas, adornavam as beiradas da cobertura. Ao lado, uma vala de meio metro de fundo, o braseiro para o churrasco de várias novilhas e muitas cabras. Os operários da fábrica providenciaram a bateria de fogos, instalada a uns cem metros de distância da casa e do barracão.

A cerimônia foi breve. O padre Libânio, além de não ser bom orador, estava mais era de olho nas carnes que assavam, exalando um aroma tentador. Assim que as bençãos foram dadas, os noivos se abraçaram e trocaram um delicado ósculo facial, o conjunto de flautas e pífaros de Mestre Astolfo atacou, dando início à festa.

Para mais de duzentas pessoas, estimava-se, participavam da alegria. A tarde cedeu lugar à noite e o entusiasmo crescia, com o consumo acelerado de cervejas e doses de boa cachaça.

— Nunca vi festa tão animada assim. — Exclamava Pedro Porrengue, que não perdia uma.

No centro da tosca construção, uma mesa redonda fora colocada, exclusiva para o bolo, rodeado de bombons, quindins e brigadeiros.

Cortado o bolo e distribuídas as fatias, isso lá pelas nove horas, começou a queima de fogos. Todos saíram para apreciar. Entre o espocar intenso do foguetório, as formações luminosas desabrochavam, como flores multicoloridas e brilhantes, tendo por fundo a noite tropial. “Ohs!” e “Has!” se sucediam, exclamados entre muitas palmas, gritos e assovios.

Não se sabe bem se foi alguma fagulha dos fogos ou do brasileiro da churrasqueira a origem do fogo que, iniciado numa extremidade do teto de sapé, logo se espalhou pelas guirlandas e enfeites de papel, por toda a aba da cobertura. Num átimo, a coberta de capim seco estava incendiada, num círculo de fogo e calor que cercava todo o galpão. Felizmente, o povo estava todo fora, ao ar livre. Todos correram para longe do incêndio, até mesmo os churrasqueiros.

Não, nem todo mundo estava fora de perigo. Por entre as chamas, que pingavam do teto, Mané Fugueteiro viu! Um garoto de quatro ou cinco anos, preso no centro do galpão. Numa ilha de calor, cercado pelas chamas, próximo à mesa do bolo, onde, por certo, teria ido em busca de mais um bombom ou quindim. Aterrorizado, o garoto não tinha por onde escapar.

— Zequinha! — O grito de desespero partiu de Mané Fugueteiro, ao reconhecer no garotinho o seu neto predileto.

Sem pensar duas vezes, movido por um impulso insano, o avô mergulha nas chamas, procurando salvar o neto. Quando chegou ao centro, próximo à mesa e ao menino, suas roupas já estavam incendiadas pelas costas. Ainda assim, sem mais pensar, agarrou o menino e, abraçando-o fortemente, saiu desabalado. Outras pessoas correram ao seu encontro, quando já estava fora do incêndio.

O avô era uma verdadeira tocha humana ao sair do círculo de chamas. Ainda teve tempo de lançar o garoto na direção dos que vinham em seu socorro, antes de cair, rolando pelo chão, soltando uivos de dor. A custo, conseguiram extinguir as labaredas que tomavam conta da sua roupa.

Salvo e sem muitas queimaduras, Zequinha estava entre as pessoas que socorriam o avô, numa tentativa inútil de salvá-lo. Os gritos de dor que vinham do corpo negro, estendido no chão, foram cessando à medida que a vida se extinguia de Mané Fugueteiro.

Antônio Gobbo –

BH, 15/dezembro/2005

Conto # 378 da série MILISTÓRIAS -

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 22/08/2014
Código do texto: T4932835
Classificação de conteúdo: seguro