Blitz 2
- Ultrapassa! Ultrapassa!
- Não posso Eni... estamos em faixa contínua.
- Ultrapassa! Ultrapassa!
- Aqui tem uma subida, uma curva e um trevo logo adiante, por isso, a faixa contínua!
- Esses carreteiros são muito lerdos. Ultrapassa! Ultrapassa!
- Não dá! Não posso! Não vou!
- DÁ! PODE! VAI!
- Nossa! Você está me perturbando tanto que eu vou acabar indo... e a culpa vai ser sua por não deixar eu dirigir em paz.
- VAAAAAAAAII!
- Nããããããão!
- Não está vindo ninguém na pista contrária... Olha que eu tenho olhos de raio X...
- VAAAAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIII!
(Perturbado) Fui!
Ultrapassei a primeira carreta, tudo bem! (e ela ao lado: - falei que dava). A segunda, tudo bem! (deu de novo). A terceira - na entrada do trevo, sufoco, mas tudo bem! (- Issoooo!). A última, na saída do trevo... (nessa azedou o pé do frango).
Ela:
- Puta merda! Olha a blitz na sombra daquela árvore!
O policial já vinha atravessando a pista na nossa frente, mandando parar...
Encostei sob a mesma sombra em que a viatura policial se encontrava estacionada. O policial veio andando vagarosamente - óculos escuros pra variar - balançando a cabeça negativamente (a bronca já vinha sendo dada em sentido vibracional, mediúnico. Ouvia claramente nos pensamentos acusatórios do policial a bronca que ele me dava antes mesmo de chegar ao meu lado, escorar na porta e me chamar de bonito...
- Bonito heim?
Enquanto ele vinha, de soslaio, ou seja, com o canto do olho direito, vi que a Eni se inclinou totalmente para a frente, apoiando-se no painel do carro, a ponto de encostar o nariz no parabrisas da camionete... Estava encarando descaradamente a autoridade - face to face - e em nenhum momento tirou os olhos dele até que ele se chegou ao meu lado, apoiou os braços na minha porta, tirou os óculos, olhou no fundo dos meus olhos me chamando de bonito de uma forma tão acusadora que a menina dos meus olhos, envergonhada, fugiu de lá...
Quando eu ia começar a me explicar...
- AHÁÁÁÁÁ! Eu estou te conhecendo! – bradou a Eni.
Ela foi tão efusiva, tão vibrante, tão alegre, tão cheia de si, que tanto eu quanto o policial nos viramos bruscamente e em perfeita sincronia para a Eni...
Ela: - Você não está se lembrando de mim?
Ele, olhando... olhando... olhando... concluiu envergonhado se autopunindo pelo lapso memorial: Não!
Ela, sem pestanejar: - Você não é o Robson (nome fictício)?
Ele, se culpando ainda mais pelo lapso memorial, pois aquela mulher sentada ali com certeza se lembrava dele, sabia o seu nome e, pior, deviam ser amigos muito próximos, já que ela estava tão efusiva, confiante e vibrante no diálogo...
- Robson, Robson, Robson! Eu não acredito que você se esqueceu de mim... Eu sou a Dra. Eni! Lembra agora? Outro dia mesmo, aquele seu colega, como era o nome dele... (buscou na memória) e ele, se lembrando do nome do colega antes dela, interrompeu os pensamentos dela e perguntou:
- O Anísio? (nome fictício)...
Ela: - Iiiiissooo! O Anísio! Como é que ele está?
Ele: (agradecido por ao menos nessa vez a sua memória não ter falhado)... O Anísio está ótimo! Tirou férias e está viajando com a família para o nordeste... Ceará!
Ela: - Que ótimo! Então ele foi mesmo? A gente ia também... Íamos nos hospedar todos no mesmo hotel... sou muito amiga da esposa dele, oh, de longa data! Infelizmente, meus compromissos me impossibilitaram de viajar dessa vez... fica pra próxima! E sua família, como é que está?
Minha família? (nossa! Essa mulher conhece até a minha família... (não falou em voz alta, mas estava claro no seu modo hesitante...)). Minha família está muito bem, minha filhinha já está engatinhando e o menininho já está na creche!
Que ótimo! Dê lembranças à sua esposa! Apareçam!
- Tá! Vou falar para ela...
- E aí? (toda inocente ainda pergunta na maior cara-de-pau): - Qual é o problema mesmo?
- Problema, que problema? (ainda estava anestesiado, buscando na memória de onde conhecia aquela mulher)...
- É que você parou a gente...
- Ah! Isso!... Nada não! Só queria aconselhar a vocês para dirigirem com cuidado... tem muito buraco. É que tem gente que ultrapassa em lugar proibido... (essa foi pra mim)...
Aí eu falei: Olha, eu sei que eu ultrapassei em local proibido, mas ela encheu tanto o saco dizendo que estava com pressa, me perturbou tanto, que eu ultrapassei, mesmo sabendo que estava errado... pode multar... eu assumo as consequências.
Multar? Não! Quê isso? Podem seguir sossegados. Só não façam mais isso!
Ela: - Valeu Robson... Indo a Ji-Paraná, não deixem de me visitar... Fala pra sua esposa que desejo tudo de bom pra ela. Leva seus filhos pra eu ver...
Ele: - Tá! E fica tranquila que quando der a gente vai lá! (ainda não se lembrava onde é que essa dona morava, mas, mais cedo ou mais tarde ele iria se lembrar)...
E fomos embora!
Passado uns dez minutos dirigindo, aquele silêncio, me lembrei de perguntar:
- Eni, de onde você conhece aquele policial?
- Não conheço!
- ? ? ?
- Mas você sabia até o nome dele!
- Não sabia!
- Sabia! Você afirmou que ele se chamava Robson! E o nome dele era Robson!
- Sabe aquela hora que você parou e ele veio andando na nossa direção?
- Sei! E daí?
- Daí que a gente estava de encontro ao sol, e tava difícil... por isso me inclinei para a frente e me encostei no pára-brisas e encarei ele até ele chegar no carro!
- Aínda não entendi... o que é que estava difícil?
- Ler o nome dele na tarjeta do uniforme. Sou míope e ainda contra o sol... Tava difícil, mas acabei conseguindo...
- !!! (looongo silêncio...).
- E o Anísio?
- Que Anísio?
- O colega do policial que está de férias! De onde conhece ele?
- Conheço muito menos esse outro...
- Como assim? Você até perguntou por ele...
- Perguntei por um colega dele... seja lá quem ele for, foi ele que me deu esse nome de alguém que está de férias no Ceará com a família...
- E a esposa dele que você até chamou para fazer uma visita e até mandou recado pra ela?
- Se me visitarem vou receber muito bem, e o recado que eu dei foi o de que desejo tudo de bom pra ela, o que é verdade e não faz mal a ninguém...
- Ultrapassa! Ultrapassa!
- !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! (silêncio no resto da viajem todinha).