A GALINHA GALINHA
Ultimamente andam acontecendo umas coisas que nunca aconteceram neste país. Ou então, aconteciam, mas as pessoas diziam que não sabiam de nada. Nunca, na minha vida, tinha ouvido falar que poderia existir alguma “galinha galinha” (substantivo adjetivo)!
Imaginem que, outro dia, deu no rádio, que lá para as bandas de Santópolis, os jornais noticiaram que a delegacia local estava às voltas com um caso inusitado e o delegado estava sem saber o que fazer, pois não havia, ainda, encontrado um meio de enquadrar nos dispositivos legais.
Numa das ruas da periferia, existiam duas casas, contíguas, em que os proprietários gostavam de criar galinhas. Numa delas, o interesse do dono era colher ovos. Utilizava-os para o seu consumo e, também para vender aos vizinhos que, inclusive, estavam acostumados com a transação.
Em razão disso, Seu Anastácio, um velho de seus 86 anos, tinha em seu galinheiro trinta e seis aves poedeiras, logo, todas elas, galinhas. Por esse motivo, não havia nenhum galo e os ovos não eram adequados para o choco.
Seu Anastácio ia vivendo a sua vidinha, já prolongada, garantindo o trabalho com a criação e colhendo os pequenos lucros com a venda dos ovos que a vizinhança comprava até mesmo fiado.
Mas, o notável, naquele galinheiro, é que as aves viviam praticamente em constante silêncio. Este só era quebrado quando algumas delas se estranhavam por causa de um grão de milho, uma minhoca, um gole d’água ou coisa parecida. As desinteligências entre elas eram raríssimas a tal ponto de passarem despercebidas pelos moradores lindeiros.
Em contrapartida, no galinheiro da Dona Berenice, viviam dezesseis galos de pescoço pelado, todos destinados a ser vendidos para um bicheiro que, aos domingos, face não haver sorteio da Loteria, costumava promover “brigas-de-galo” numa rinha escondida num matagal afastado.
No meio do plantel de Dona Berenice, somente havia uma fêmea, que vem a ser a galinha personagem da nossa história.
Normalmente, os caras que vendem pintos nas feiras, são uns safados. Compram as avezinhas, com dois ou três dias de eclodidas, diretamente de granjeiros.
Nas granjas há especialistas que separam, de imediato, os machos e as fêmeas. Essas últimas são destinadas aos criadouros da própria produtora. Durante alguns dias serão alimentadas com superdoses de ração para integrarem o plantel de poedeiras.
Expostas à iluminação permanente, não tendo noção de dia ou noite, acabam por ter o metabolismo e o ciclo de vida alterado. As rações, com fortes doses de hormônios, aceleram o ciclo biológico induzindo o crescimento rápido e à postura de três ovos a cada dois dias.
Os pintinhos machos são acondicionados em caixas e vendidos para terceiros que não tem a mínima ideia de que estão sendo ludibriados. Às vezes acontece de, por distração, passar uma fêmea ou outra durante a seleção. Esse foi o caso da Dona Berenice. No meio da ninhada que comprou, dos vinte pintinhos, três morreram, dezesseis eram machos e somente uma era fêmea.
Dona Berenice não se havia apercebido dessa tramoia e, somente foi tomar consciência quando um chacareiro que andava de olho nela foi lhe levar um pacote de pamonhas que acabaram de ser cozidas com o resultado da sua colheita de milho. O homem andava louco para ser convidado para um café e um dedo de prosa com a mulher e, usou esse artifício para tentar uma aproximação.
Conversa vai, conversa vem, Dona Berenice falou da recente aquisição e aproveitou para pedir alguns conselhos para o trato com as aves. Tarquínio, o chacareiro, quando viu os bichos logo percebeu do que se tratava e deu a dica:
-- Olha Dona Berenice! Toda essa frangaiada é macha! Nenhum vai botar ovo!
-- É mesmo, Seu Tarquínio? E agora, o que vou fazer com esse montão de galos no terreiro? Eu estava doidinha para tirar uns ovos!
-- Bem! Acho que nem tudo vai tão mal! Esses pintos são todos de raça. São de pescoço pelado e são bons de briga! Mas, se não me engano, aquelezinho lá no canto parece que não é macho não! Pelo jeito vai dar galinha. Só aquelezinho lá!
A senhora pode fazer sua criação e, mesmo sem colher ovos, poderá vender para o Bigode que sempre está à procura de galos desse tipo. Eles são galos-de-briga e Bigode tem uma rinha de apostas. Ganha uma nota com isso!
-- É mesmo, Seu Tarquínio? Então, quando eles estiverem grandes o senhor fala com o Seu Bigode? Faz esse favor para mim?
-- Seu pedido é uma ordem, Dona Berenice! Fique tranquila que cuidarei disso direitinho! Qualquer coisa é só me chamar que largo tudo o que estiver fazendo para lhe atender! Conte comigo!
-- Ah! Que bom, Seu Tarquínio que posso contar com o senhor, uma pessoa tão prestativa e acima de tudo, desinteressada! Fico-lhe muito agradecida!
Passados alguns meses, os pintos haviam se transformado em galos e, desde antes dos primeiros raios do Sol se manifestar, os galos já se colocavam na maior cantoria da paróquia.
O canto deles acontecia, religiosamente, do raiar do Sol até quando ia se aproximando a hora do poente. Durante o restante do dia, os galos que já nasceram, de briga, passavam todo o tempo se estranhando, em meio a bicadas e esporadas. Além disso, havia a permanente disputa pelos favores da galinha primeira e única do pedaço.
Dona Berenice achava interessante como a galinha do seu terreiro parecia feliz. Passava o dia inteirinho desfilando para lá e para cá, fazendo sestro para os galos e cacarejando aquele cacarejo de plena felicidade. Muito diferente das galinhas do Seu Anastácio, todas mal humoradas e com cara de TPM.
Como a refletir a total satisfação, a galinha costumava dar seus rolezinhos pelo quintal cacarejando aquele conhecido cacarejo, mais ou menos assim: Có-có-có-có, dando umas ciscadas para os lados, abanando o traseiro, como se estivesse provocando o olhar masculino.
Os galos, que não eram bobos, nem nada, tratavam de se apresentar para o serviço, um atrás do outro... E era assim, durante o dia inteirinho! A barulhada resultante das disputas incessantes incomodava à vizinhança e isso já dera motivo a vários Boletins de Ocorrência, na Delegacia.
D. Berenice, que era solteiríssima da silva, ainda intata, um dia, resolveu bispar o que se passava no galinheiro para descobrir a razão daquela confusão incômoda, em contrapartida da paz e tranqüilidade que rolava no quintal vizinho.
E não deu outra! De olhos esbugalhados assistia a galinha como se estivesse naquela brincadeira de cabra-cega, enquanto os galos soltavam penas na ânsia de impor a sua vez! A danada, pacientemente cuidava de atender a todos, um por um, na maior felicidade da paróquia.
Religiosa de carteirinha viu, naquilo, uma espécie de orgia e achava um absurdo que estivesse acontecendo, exatamente no seu quintal, na casa da “Rua dos Castos”, nº 38. Teria que dar um sumiço naquela “galinha-galinha, safada de uma figa!
Na mesma tarde, chamou Seu Tarquínio e, encarecidamente, pediu-lhe para dar um fim em todo o plantel de aves, inventando uma desculpa qualquer para aquela pouca vergonha.
O homem, prontamente atendeu ao pedido e cuidou de acertar com o bicheiro a compra dos galos. A galinha? Matou, ali mesmo e preparou uma suculenta panelada ao molho pardo.
Enquanto D. Berenice arrumava a mesa para o almoço, Seu Tarquínio deu uma corrida até o bar da esquina para comprar uma garrafa de vinho. Queria celebrar aquele convite para o almoço, com o qual sonhara por alguns belos pares de anos.
Comeram, conversaram e tomaram todo o vinho da garrafa. Terminado o almoço, ambos já alegres e sorrindo por qualquer motivo, já que não estavam fazendo nada, começaram a se olhar de um modo diferente e, dali partiram para uns amassos no sofá da sala.
D. Berenice, já meio levitando, foi até à cozinha, fechou a porta que dava para o quintal, aquela mesma de onde assistiu o furdunço avícola. Em seguida, ela e Seu Tarquínio, cambaleando e rindo à tripa forra, abraçados, tomaram o rumo do quarto de dormir...
Amelius
Sobradinho-DF – 18/07/2014 – 19:16Hs