O FILHOTE

Eram quatro homens uniformizados que entravam e saíam da casa pela porta dos fundos. Passavam pela lateral da casa, entravam pela porta dos fundos e saíam carregando móveis: geladeira, fogão, armário, cama, sofá, etc., levando-os até um caminhão estacionado na calçada. Era nossa mudança para Campo Grande-MS.

Minha mãe, eu e minha irmã Sibele ficamos com uma tarefa menor: arrumar malas, mochilas e sacolas no carro. Tinha cerca de sete anos e a Bele, quatro. Eu estava no pátio localizado no fundo da casa verificando se havia algum material de limpeza para colocar na mudança, quando ouvi um piado estridente, alto, intermitente; parecia um pedido de socorro e vinha de uma árvore.

Chamei a Bele e fomos procurar de que lugar da mangueira vinha aquele chamado. Éramos pequenas e a mangueira era enorme. Pedi para a Bele puxar um galho que eu havia apontado; ela puxou, segurou e nesses poucos segundos nós vimos: era um filhote de periquito australiano! Acho que é esse o nome correto. Existem amarelos e azuis bem clarinhos. Este nosso periquito era da cor azul clara.

- Estou vendo! Estou vendo! E ele é lindo! – gritava para a Bele.

Mas a Belinha não conseguiu segurar o galho por mais tempo e o soltou. Com o balanço do galho, nosso periquito caiu ao chão. Corremos com as mãos estendidas, mas não conseguimos amenizar sua queda. Agachei-me, transformei minhas mãos em concha e o depositei suavemente. Ali ele ficou quietinho, mas vivo.

Procuramos pelo pátio algum objeto onde pudéssemos colocá-lo, mas encontramos apenas uma garrafa de plástico transparente. Cortei a garrafa ao meio, no sentido do comprimento, transformando-a numa espécie de berço. Não era muito confortável, pois ele fazia coco e xixi no mesmo lugar que descansava e se restabelecia da queda.

Mostrei o filhote para minha mãe; expliquei-lhe que estava procurando um lugar melhor para ele e que em seguida já iria ajudá-la com as malas. Ela respondeu que não havia problema, pois já estava terminando, faltava muito pouca coisa para viajarmos. Saltitei pelo pátio, com o bercinho e o filhote nas mãos, em busca de um lugar melhor para ele e... tropecei numa raiz da árvore. Caíram no chão: o berço para um lado e o filhote para o outro e o gato para o mesmo lado do filhote.

Gato? Que gato? De onde surgiu esse gato? Não sei. Foi muito veloz!

Foi um acontecimento rápido, mas revejo-o como em câmara-lenta: o berço caindo, o filhote no chão, eu paralisada olhando a cena com os olhos arregalados e... um gato muito ligeiro, aproveitando-se do meu susto, saltou sobre o filhote e o levou de mim!

A partir daí foi aquela choradeira! Chorava. Soluçava. As lágrimas escorriam molhando meu rosto e corri para minha mãe. Estava triste porque o filhote havia morrido, porque o gato foi mais rápido do que eu e, principalmente, porque não tive condições de salvar o filhote!

Acordei com o rosto molhado de lágrimas!

Simone Possas Fontana

(escritora gaúcha de Rio Grande-RS, membro correspondente da

Academia Riograndina de Letras, autora dos romances

MOSAICO e A MULHER QUE RI)

Minhas Anotações:

- Conto publicado no livro Mosaico (Editora Gibim, 2011)

- Publicado no blog: simonepossasfontana.wordpress.com