290-RESSURREIÇÃO NO SERTÃO

Major Militão, mais conhecido por Major Munheca, primava pela economia. Na sua fazenda nada se perdia, tudo era vendido, aproveitado ou reaproveitado. Os filhos seguiram na mesma sovinice. Nada se jogava fora.

Aconteceu que, quando Major Militão estava com quase oitenta anos, foi acometido de desconhecida doença, que o jogou na cama. Para ele, que só tomava pinga com café para curar suas ziquiziras, foram receitados remédios caros e vinhos reconstituintes importados.

— Isso tudo é um desperdício de dinheiro, o velho tá nas últimas, num adianta pelejá. — Dizia para si mesmo Militão Filho, o popular Fiinho, em que pese sua estatura de quase dois metros e pança avançada.

Por seis meses, foi aquela luta: o major acamado, ficando cada vez mais fraco. Nada mais resolvia, o homem piorava a cada dia.

— A família fique preparada — avisou o doutor Constantino. — Nada mais há a fazer. Não dou nem mais uma semana para o major.

Os amigos foram avisados. Entre os mais chegados estava o Felismino, homem dotado de espírito e que não respeitava muito os usos e costumes. Ao chegar para visitar o amigo prostrado na cama, este estava como que um defunto: olhos fechados, respiração leve, as mãos cruzadas sobre o peito.

— Pra mim, já tá morto. — Falou Felismino. — Fiinho, abre os olhos dele, quero ver se ainda tá vivo.

Com paciência, Fiinho levantou a pálpebra do olho esquerdo. O doente olhou diretamente para Felismino, com um olhar parado. E assim ficou: um olho aberto, e outro fechado, enquanto o amigo tentava confortá-lo.

— É, cumpadre, cê tá mesmo nas últimas. Coitado. — Foi o comentário do leal amigo, à saída.

Fiinho acompanhou Felismino à cidade.

— Tou com um cavalo doente. Tenho de comprar um remédio pro animal.

Pediu ao farmacêutico remédio para o cavalo, após explicar os sintomas.

— O senhor leve essa injeção aqui, é tiro e queda. Serve pra quase tudo. — E vendeu-lhe uma ampola de uns cem mililitros, quase uma garrafinha, de medicamento. — E tem a vantagem de ser só uma aplicação. O senhor aplica só uma vez e pronto.

Fiinho voltou à fazenda e encontrou o cavalo já morto. Não deu tempo para acudir o animal. Fiel à doutrina do pai, ficou aborrecido em ter em mãos o remédio, que já na valia pra mais nada. Guardar, não adianta, esses remédios estragam logo, pensou.

De noite, revirava na cama, aborrecido com a perda do cavalo e preocupado com o dinheiro jogado fora na compra do remédio. Passou a noite em claro, matutando. De madrugada, veio a idéia.

Vou aplicar a injeção no pai. — Pensou. — Ele já tá morre-num-morre. O doutor deu uma semana de prazo. Já que vou jogar o remédio fora, aplico no velho,

Não esperou nem amanhecer para aplicar a injeção de cavalo no pai moribundo.

Fiinho se orgulha até hoje do bom aproveitamento que fez do remédio cavalar aplicado no próprio pai.

— Foi tiro e queda! Apliquei no pai a bendita injeção pra cavalo. Ele reagiu na hora, saltou da cama e ainda viveu mais oito anos!

ANTONIO GOBBO = BELO HORIZONTE = 24/JUNHO/2004=

Conto # 290 da Série MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 10/07/2014
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