282-O COBRADOR DE PROMISSÓRIAS

Vestia-se no maior apuro: sempre de terno completo: paletó, colete e calças listradas. Camisa branca impecável. Uma corrente de ouro (falsa) atravessada de um lado a outro do colete, prendendo um relógio “Patek-Phillip” avariado, mas brilhante e vistoso. Velhaco consumado, Joaquim Melgado vivia de expedientes. Entre os quais estava a de cobrador de dívidas. Naqueles tempos em que uma nota promissória era documento inquestionável, Joaquim mantinha diversas em seu poder, a serem cobradas por conta de terceiros.

Constituía um aborrecimento sem fim para os devedores na cidade. Batia à porta das casas dos devedores quase todos os dias. E visitava todas as semanas os devedores da zona rural. Fazendeiros e sitiantes que “estivessem na sua mão” eram importunados sem tréguas pelo famoso cobrador.

Nada o intimidava. Era imune tanto às pragas que lhe eram rogadas como às ameaças de poderosos fazendeiros que prometiam mandar tocaiá-lo.

— Tenho o corpo fechado. Não adianta me ameaçar, quero receber o devido.

E assim conseguia cobrar os títulos.

Foi procurado por Fiinho Canindé, jogador profissional, parceiro constante dos freqüentadores do Clube Social. Portando uma promissória assinada pelo poderoso Capitão Herculano, no valor de vinte contos de réis, vencida há muito tempo. Queria que Joaquim cobrasse o título.

Esse Coronel Herculano era osso duro de roer, ruim de pagar contas, e ameaçador, pois mantinha jagunços na sua fazenda.

— Eta home duro de negociar, esse Coronel — Joaquim foi logo preparando terreno. — Essa cobrança vai ser difícil.

— Ofereço-lhe metade do dinheiro, quando o senhor receber. — propôs Fiinho a Joaquim. — O senhor fica com dez contos.

Joaquim aceitou na hora. E passou a assediar o Coronel Herculano, tanto na sua residência urbana quanto em sua fazenda, nos períodos em que o velho passava ocupado com colheitas de café ou negócios de gado.

Joaquim era um mestre em cobrar. Não aceitava argumentos nem intimidações. Entretanto, encontrou no Coronel Herculano um devedor empedernido. Passados mais de seis meses, Fiinho Canindé procurou o cobrador Joaquim para saber como ia a cobrança da promissória.

— Oia, seu Fiinho, o coronel não é flor que se cheire, não. Ô home duro de pagar as dívidas. Imagine o senhor que tive que negociar o débito. E depois desse tempo todo que tou insistindo, o máximo que consegui foi receber a minha metade.

ANTONIO ROQUE GOBBO

BELO HORIZONTE, 30 DE ABRIL DE 2004

CONTO # 282 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 06/07/2014
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