BANG SERTÃO BANG
Estava a um bom tempo sem postar nada no site. O fato é que o trabalho me tomou o tempo e também eu me dediquei a escrever muitas obras. Espero que essa caia no agrado do pessoal leitor do site porque é apenas a primeira de uma série. Obrigado e qualquer dúvida ou comentário podem mandar uma pergunta por aqui ou até mesmo no meu email. valeu
marcosdamersimas@gmail.com
BANG SERTÃO BANG
POR M DAMER SIMAS
Raimundo era destemido. O cabra não tinha medo de nada. Desde pequeno já era tinhoso e metido a matador. Começou matando bicho e depois... Bem, depois já viu né.
O pai era Tião, o matador, foi jagunço de coronel Mathias. A mãe era conhecida como Madalena a doida. A velha ficava o dia inteiro rezando suas novenas e nada mais prestava. Seu irmão era Juninho. O sujeito não era do mais “cabra-macho” se é que me entendem. Coronel era um homem muito correto. Nada escapava de suas vistas e tudo aquilo que era errado era pago com algumas chibatadas. Tião era o próprio carrasco. Coronel Mathias, além de suas riquezas, era casado com uma linda mulher chamada Norberta e seu casamento rendeu-lhe uma fina flor chamada Maria. Desde pequeno, Raimundo arrastava suas asas para o lado da pequena herdeira, diga-se de passagem, o que era sempre terrivelmente repreendido por seu pai e sua mãe.
- Ah cabra safado! Tu deve é tá querendo que o “CORONÉ” nos mande embora das terras dele com uma mão na frente e outra atrás! Mas vou sentar o pelo do teu lombo e é pra já! Arria logo essas calças e te prepara imundiçia!
- Mas “painho”...
- “Painho” nada “Homi”! Te ajeita que vou tirar a tua aleluia!
Era uma surra após a outra. A mãe ainda completava o castigo lhe concedendo uma penitência. Um tal de ajoelha no milho por meia hora era a chave de ouro que fazia com que Raimundo por um ou dois dias deixasse Maria de lado.
Feita as apresentações.
RAIMUNDO
Não sei nem porque chamava de outono aquela época se os dias mais frios beiravam os 30º. Não tinha muito rio e nem lagos para que as crianças pudessem se refrescar nos dias mais infernais. O único lugar conhecido era o lago do “CORONÉ”. Pelo nome já se pode entender onde ele ficava. Ao lado da casa grande onde Mathias e sua respeitada família moravam. Nunca você iria ver o patriarca da estância Bom Sossego (Nome nada sugestivo) lá dentro. Nem mesmo sua esposa e seu filho Miltinho. Agora, Maria, ela sim gostava de passar as tardes se refrescando naquela dádiva de deus. Logicamente, o lago era proibidíssimo aos funcionários ou filhos deles. Isso não seria um empecilho para Raimundo. Ele e seu amigo Diógenes conversavam sobre a sombra de uma enorme figueira.
- “OCHII”! Tu não achas que eu tenho medo de i lá naquele lago não é Diógenes?
- Cabra! Eu não acho não, eu tenho é certeza que tu não vai. Vós já vistes quantas vezes o “CORONÉ” já botou negrinho no pau de arara por pega o “CABRA” bebendo água de lá? Imagina se pega tu “TOMANO” banho. Ele manda o teu pai é te matar Raimundo.
-Tu és um baita é dum medroso “HOMI”! E hoje eu te mostro como eu vou no lago e se Maria inda tive por lá eu do é uns beijo nela também.
- Raimundo, tu não tem muita coisa boa na tua cabeça não é?
- A filha dele gosta de mim Diógenes. Só tu que não vê isso! Até “MAINHA” já falou para mim deixa ela de lado. Meu pai me sentou o pelo esse dias achando que eu ia era nunca mais ver ela. Sabe de nada.
- Mas eu duvido Raimundo. Se tu for lá e ainda der um beijo em Maria eu te do de presente a minha bola nova que “PAINHO” me deu no meu aniversário.
- Tá feito à aposta “CABRA”!
MARIA
Seus cabelos pretos como a noite já avisam de longe quem vem lá. Seus olhos cor de mel eram únicos na fazenda. Nem o coronel e nem sua esposa tinham olhos tão belos como os dela. Até o seu andar era único. Era como se marchasse elegantemente o tempo inteiro. A florzinha de Mathias seria uma mulher de pulso firme. Desde pequena, a bela rosa, mostrava seus espinhos.
- Eu vou sim “PAINHO”. Apenas estou comunicando o senhor.
- Se tu fosses o teu irmão eu ia te ensinar como que se fala com os mais velhos com o meu cinto menina. Já que não é, tem que se portar como uma princesa. Tu não achas que os empregados não notam o jeito que tu falas minha filha?
- Então não fique me impedindo de fazer as coisas, meu pai. Só estou pedindo para ir até o lago à tardinha. Não sei que tantos perigos o senhor vê nisto?
- Tá é cheio de abutre querendo arrasta as asas para o teu lado minha filha. Eu nem quero sonhar que um dia alguém invente de cruzar com o teu caminho que nem Tião eu mando matar o safado. Eu mesmo mando o desgraçado para o inferno cheio de bala no peito.
- Pai! Calma! Ninguém vai chegar perto de mim. Eu sei me cuidar. Já tenho quatorze anos.
-“OCHI”! Sabe se cuidar nada mocinha. Tudo bem, vá ao lago. Não quero que volte para casa antes do cair da noite. Entendeu?
- Sim senhor papai! Muito obrigada.
Ela saiu marchando da bela sala com móveis de madeira nobre e o lindo tapete importado. O sorriso estampado em seu rosto tinha mais motivos do que uma simples vitória sobre seu pai.
TIÃO
- Juninho! JUNINHO! Cadê o porqueira do teu irmão?
- Sei não “PAINHO”!
- Pois vá atrás desse miserável que eu tenho um serviço para fazer e preciso da ajuda dele.
- Mas eu posso ajuda-lo papi!
-“OCHIIII”! Tu para com esse tal de papi rapaz! Eu não quero que pensem que tu és afeminado “CABRA”. E mais, é trabalho pesado esse. Não da pra ti.
- Tá bem senhor. Eu vou procurá-lo.
Tião levou as mãos ao rosto quando o filho mais novo saiu pela porta da pequena casa de pau a pique. – Onde foi que eu errei para ter um filho fresco e o outro rebelde? Nossa senhora!
Ele havia recebido a missão de caçar um escravo fugitivo. Apesar de ser rebelde, ninguém conhecia melhor as matas da fazenda que Raimundo. Agora, acha-lo é que seria o verdadeiro problema.
O ESCRAVO
Ofegante e cansado. Correu veloz como uma pantera por entre a mata fechada que rodeava a propriedade de coronel Mathias. Não era fácil escapar daquela fazenda de horrores. Aguentar o chicote de Tião enquanto plantava aquela planta estranha não era nada mole. Nem mesmo para alguém que viu o pai e a mãe sucumbirem no sol escaldante do sertão. Desde criança o menino preto trabalhava de sol a sol e a noite descansava sobre um colchão feito de finas palhas. Nem comida tinha direito. Eram apenas charque e as sobras da casa grande. Vez e outra conseguia algo a noite. Algo trazido por sua amada rosinha. Ele fugiu com um intuito. Achar a terra onde os pretos eram livres e fazer dinheiro. Só assim ele poderia voltar como um senhorio e resgatar sua mulher. Não seria fácil, eram apenas os boatos que o guiavam. Ninguém de fato havia voltado da tal terra livre e correr com as mãos algemadas não era nada simples. Quando começou a bater uma pesada pedra contra a longa corrente, começou a ouvir o latido dos cães. Seus olhos esbugalharam e ele começou a suar frio. O tempo era seu inimigo. Seu nome era Bidu.
CORONEL MATHIAS
- Tião, eu quero aquele negrinho de volta. Se esse filho de puta não voltar, os outros vão começar a fugir também. Aliás, eu nem quero esse negro safado de volta. Eu só quero é a cabeça dele dentro de um saco.
- É hoje mesmo que eu vou ensinar a esse negrinho fujão como que se respeita quem da água e comida para eles. Raimundo chegando e eu já saio atrás dele patrão.
- Onde aquele moleque se meteu?
- Sei não coronel. Mandei Juninho corre atrás dele.
- Pois bem. Se ele não voltar você chama o João e o Joaquim e vai logo. Esse seu filho deve é tá matando algum bicho meu escondido por ai. Esse seu filho ainda vai lhe causar problemas Tião.
- Patrão, com todo respeito, mas se esse rapaz me der desgosto eu mando ele para o inferno junto com os outros safados que eu já mandei. Não me custa nada fazer isso.
- Mesmo sendo seu sangue Tião? Você faria isso mesmo ele sendo seu filho?
- Filho ou não ele tem que ter respeito pelo pai. Se me causa desgosto passo a peixeira nele sim. O senhor sabe do que eu estou falando não é coronel?
- Tião, eu tenho muito respeito por você, mas se tocar nesse assunto de novo eu mato você! Não volte a falar disso entendeu?
- Desculpa patrão, não vou mais falar.
Coronel Mathias avermelhou quando Tião pôs frente a seu rosto as sombras do passado. Em nenhum mundo ele deixaria isso passar em branco. Tião não sabia, mas ele acabara de por fogo em um tonel de combustível. Revirar o baú escondido embaixo da cama nunca é algo sábio a se fazer.
MARIA
- Você não pode falar para ninguém sobre isso Raimundo. Meu pai mata você se ele souber que estamos nos encontrando.
Enquanto Raimundo vestia sua camisa velha, Maria ajeitava seu belo cabelo. Aquela tarde, não havia de ser uma como outra qualquer. Aquele lago nunca mais seria o mesmo. Um laço entre os dois acabara de nascer. Ele sabia que as coisas não poderiam acontecer como os dois desejavam, mas algo ele tratara de garantir:
- Nem que o céu desabe moça, eu faço seu pai confiar em mim para ser digno de ter a sua mão.
- Você só pode estar sonhando Raimundo. – Disse uma sorridente Maria. Você acha que meu pai vai aceitar que sua filha ande por ai com o filho de seu jagunço?
- Ué? Mas e o que tem nisso?
- Nosso amor é algo inatingível. Algo inabalável. Mas ainda não está pronto para brotar da terra.
- Um dia vai estar Maria. Nem que eu tenha que matar todo mundo nessa fazenda e te levar comigo.
- Raimundo! Nunca mais fale em matar. Eu não quero que você seja um brutamontes como seu pai. Quero que você seja o homem carinhoso que eu tive hoje à tarde.
- Você sabe que eu sou matungo. Que eu tenho sangue de cangaceiro nas minhas veias, Maria. É só para você que eu sei ser esse homem.
Os dois se beijaram e os gritos de Juninho chamando por Raimundo terminaram com o momento de amor entre os dois. Algo iria acontecer hoje.
O ESCRAVO
Bidu corria como nunca. Tião, Raimundo e os outros homens o caçavam como se a um bicho fosse direcionado os disparos. Suas correntes ainda pesavam em seus pulsos e dificultavam os desvios que tinha que fazer por entre as árvores. Os latidos dos cachorros e os tiros pareciam cada vez estar mais perto e foi quando tropeçou em uma raiz grossa que viu o bufar do cavalo em seu cangote. Quando se virou com os lábios sangrando sentiu o frio aço da arma de Tião entre seus olhos.
- Cabra safado, da peste! É hoje que eu levo a tua cabeça dentro de uma sacola para o coronel Mathias. Vamos espetar a tua cabeça em uma estaca na frente da senzala e ai ninguém mais vai fugi daquele pardieiro. – Disse Tião
Os outros dois jagunços, João e Joaquim mostravam seus dentes podres com largos sorrisos enquanto o negrinho fugitivo tremia. Raimundo estava inquieto e olhava atentamente para o mato com a espingarda em punho.
- Esse safado não tá sozinho aqui “PAINHO”! É bom não demorar e levar esse fujão para a fazenda.
- Cala a boca seu medroso. Armado até os dentes e querendo fugir já? – Debochou Joaquim.
- Se eu quisesse fugir de alguma coisa com certeza de você que não seria, seu afeminado de merda! – Disse Raimundo.
-“OCHIIII”! Onde fica o respeito garoto? Não é porque o seu pai está aqui que você não leva uma palmada nessa sua bunda mal lavada.
- “CÊS” Dois que se decidam ai que nem homem. Mas não quero mais morte. Hoje só um tá marcado. Não é negro Bidu? – Disse Tião.
Raimundo apeou do cavalo e logo chamou Joaquim para briga. O jovem de quinze anos era muito mais forte e rápido que o velho jagunço. Não demorou a que aos gritos e risadas vindas de Tião e João, Joaquim estivesse lambendo a areia do chão. Foi com um só soco que Raimundo esticou as pernas do velho capanga. As risadas só aumentavam e de presente, Bidu levou um chute nas costelas. – Tá vendo negro? – Disse Tião – Depois que meu filho surrar esse fresco ali, você vai toma uma surra dele antes de morrer. Se facilita, o João ainda vai comer a tua bunda!
Os olhos de Bidu mais uma vez ficaram arregalados. Nada que fizesse com que a surra de Raimundo terminasse. Não fosse pelo tiro vindo do nada e pelo grito de Tião, essa briga ainda teria durado uma década.
- PAI! Donde veio esse tiro? Procurem! Alguém tá tentando matar a gente.
- “OCHI”! Essa merda dói! Mas que droga, morrer no meio do mato e sem um gole de pinga!
- Tá aqui chefe – Disse João – Pelo menos a pinga eu tenho!
- Eu já mandei ficar atento – Disse Raimundo – Se atiraram em meu pai, logo vão tentar matar mais gente.
O tiro foi proposital. Nem se deram conta de que Bidu havia desaparecido. Nenhum outro disparo foi dado. Ficaram imóveis por quase dez minutos esperando a chance de fugir. Ao se certificarem que nada mais aconteceria, partiram para a fazenda. Sem o escravo e com Tião a beira da morte.
RAIMUNDO
- CORONEL! CORONEL! BALEARAM MEU PAI! AJUDA!
- Que diabo é isso Raimundo? Cadê o escravinho fujão? Quem fez isso com seu pai?
- Ele fugiu quando acertaram meu pai. Atiraram nele. AJUDA coronel!
- Mas o que eu faço homem? Eu nem médico sô! “Ochi”, não tem mais o que fazer. Já viro os olhos! Tá morto rapaz, seu pai tá morto.
Raimundo chorou como um homem. Apenas lágrimas caíram de seus olhos. Ele jurou seus serviços a Coronel Mathias nesse dia e prometeu encontrar o assassino de seu pai. Maria observava ao longe a cena e logo correu para seu quarto quando Mathias passou para ele o revólver de seu pai. Raimundo era só ódio e essa história ainda estava longe de acabar.
No dia seguinte enterraram o velho homem que morreu traído. A mãe de Raimundo continuava orando. Ele pegou seu cavalo e junto com seu companheiro Diógenes partiu em uma nova caçada.