BAIANDEIRA LEVA BRONCA NO CÉU

— Uai Índia Veia, você por aqui? Como andam as coisas?

— Luiz, seu danado, que prazer te encontrar rapaz! Estou bem, apesar de achar tudo por cá, muito diferente...

— Calma, você se acostumará, em pouco tempo todos se acostumam.

— Engraçado rapaz, eu confesso, não estava preparado!

— Eu sei, eu também não, na verdade, acho que ninguém está, mas é claro, como te falei, isso passa com o tempo.

Dá última vez que nos vimos, me lembro que lhe entreguei de presente, um CD do Grupo Forró no Escuro, lá de Belo Horizonte, está lembrado? Você o ouviu?

— Sim, foi isso mesmo, a propósito gostei muito, o ouvi várias vezes.

Se não me engano, além das suas, tem umas duas ou três canções em parceria com o Marçal Filho, não é? Suas canções são ótimas, não sabia que compunha tão bem!

— Bondade sua e é muito engraçado você me dizer isso só agora. Sabe por que lhe dei aquele CD?

— Não, não sei meu rapaz, por que?

—Apenas por desabafo dum agravo que me fez, puxe pela memória, garanto que vai se lembrar.

O poeta Newton parou um pouco, puxou pela imaginação, refletiu, pensou, pensou seguidamente por mais de 10 minutos e nada, não conseguiu se lembrar, não atinava com o diacho do tal agravo.

— Rapaz, lhe confesso, não consigo realmente me lembrar de nada, que diabo de agravo foi esse, meu irmãozinho?

—Tente mais um pouco, vamos, se você se esforçar mais um pouquinho vai se lembrar, não tenho dúvida, afinal estou confabulando com nada mais nada menos que Newtinho Baiandeira, um dos grandes de Itabira, nossa Índia Veia.

Newton tentou ao máximo, dava para sentir de longe seu esforço, suava copiosamente, mas qual o quê, não conseguiu lembrar-se de coisa alguma!

— Pois é Newtinho, os homens criaram o tal adágio de que quem bate esquece, pensava eu ingenuamente que era besteira esse ditado, mas, agora sei que isso é uma verdade, você é a inexorável prova disso.

—Não estou lhe entendendo irmãozinho... Por favor, explique-se...

— Está bem, não quer tentar mais uma vez?

— Não, sei que não conseguirei, ultimamente estou muito aquém do necessário e muito além da fragilidade, nesse lance de memórias e afins, prefiro que você me tire dessa agonia e fale de uma vez.

— Está bem, vou refrescar sua memória...

Na década de setenta, rabisquei os versos de uma canção que ousei fazer para uma amiga e, ao te mostrar, você desdenhou e achou que era uma droga de letra sem poesia alguma, uma bobagem tresloucada e a música então; disse ser uma bela porcaria e ainda me disse:

— Rapaz isso aqui é uma merda tola e imbecil, joga esse lixo no lixo, você não nasceu para compor e sim para interpretar Baiandeira, aliás, em certos aspectos você tinha mesmo razão, pois de fato faturei alguns troféus com seu trabalho.

Me lembro que da última vez ganhei para você, no mínimo uns seis troféus, em minhas andanças pelo nordeste do Brasil e sei que você deve ter os deixado com sua família, não é?

— Sim deixei, pois como lhe disse, não estava preparado e vim de supetão, nem tempo de colocá-los na mala eu tive.

— Sei disso e também se os trouxesse, o pessoal daqui não deixaria você entrar com eles, essas bugigangas terrenas por cá, não têm nenhum valor, não têm sentido algum, eles não ligam para essas coisas.

Mas voltando ao assunto, só lhe entreguei aquele CD do Grupo Forró no Escuro, com aqueles nove cegos de BH, porque esperava que você gostasse de alguma canção que compus, após vinte e cinco anos de reclusão, por sua causa.

—Rapaz se você não me dissesse isso, juro que não me lembraria nunca, confesso, foi um erro muito grande lhe dizer aquela bobagem, na verdade todas as músicas que você compôs ficaram muito boas e uma das suas chamada ACAUÃ, então, considero um primor.

— Que bom que gostou, fico feliz em saber disso agora, já que também não tive tempo para despedir-me e tal como você, por causa dessa porcaria de infarto embarquei subitamente nessa viagem maluca e cá estou.

—Pois é meu irmãozinho, andei rodando por aí e vi alguns artistas separados ou andando em grupos, mas confesso que não tive coragem de me aproximar de nenhum deles, porém, com você é diferente, pois já nos conhecemos de longa data.

— É verdade, nos conhecemos há muito tempo e só para deixar registrado, já que não pude jogar na sua cara o tal agravo, o faço agora, embora também isso pouco importa, pois como lhe disse, as coisas de lá, por cá, não fazem o menor sentido.

—Pois é Luiz, foi uma pena eu ter dito aquilo a você, poderíamos ter composto alguma coisa juntos, não é? Bem, acho que podemos esquecer essa minha idiotice, o que me diz? Você seria capaz de me perdoar?

— Não há o que perdoar, na verdade até já havia me esquecido, mas foi só ver essa sua cara horrorosa de Índia Veia por aqui, que me lembrei de tudo na hora, e como não tinha tido tempo de desabafar lá na terra, resolvi fazê-lo aqui. Agora acho que encerraremos o assunto de vez.

— Sim acredito que você tem razão, mas a propósito, quem fez você mudar de ideia e meteu na sua cabeça que poderia compor também?

— Foi o Marçal cara, um dia cheguei na casa dele, então ele me pediu para completar uma canção chamada FUGA que ele estava compondo, eu disse que não era compositor, mas ele não aceitou essa desculpa de Mané e quando relatei a ele o que foi que você me disse ao mostrar a música que fiz para a minha amiga, aí mesmo é que não aceitou de jeito nenhum e acabou ficando bravo comigo e disse que você, apesar do compositor que era e tão amado por todos nós, não era dono da verdade, enfim parece que ele tinha razão. Não é?

Então daí em diante rabisquei algumas coisas com ele e também sozinho e posso lhe garantir, muita gente gostou e gosta.

— É, o Marçal estava certo e eu errado, mas e você, promete que vai me perdoar?

— Já lhe disse Baianda, o perdoei faz tempo, esqueça, mas eu tinha que lhe dizer isso. Agora que disse, estamos quites e quem sabe poderíamos até fazer uma parceria!

— Por que não? Esse, é o Luiz Figueiredo que conheço!

— Bom, então que tal compormos contrapondo seu Trem que leva Minas, O Trem que vem pro céu? Ou o Trem voltando à terra?

— Uai irmãozinho, como os jovens de agora dizem por lá “demorô”, arranje uma viola por aí e vamos logo com isso.

Caldo quente, farinha nele!

—Simbora, uai!

Marçal Filho
Enviado por Marçal Filho em 28/06/2014
Reeditado em 04/12/2023
Código do texto: T4861657
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.