Achados & Perdidos.
Há um consenso popular de que “ o achado não é roubado” tese que meu falecido pai não concordava. Ele afirmava que “o alheio chora seu dono” Dizia que passara por tal experiência ; perdera um punhal cabo de prata, presente do seu padrinho,uma relíquia, o sofrimento de tê-lo perdido era massacrante. Sempre dizia não ter a menor vontade de achar objetos de valor ou dinheiro. Por ironia das coincidências achou um anel de ouro maciço, cravejado com uma pedra rubi . Diziam ser de advogado tradicionalmente como presente de formatura. Embora achasse oferta valorosa recusou vendê-la, tinha esperança de ser de algum advogado das cidades vizinhas da região, até andou investigando para ver se achava o legítimo dono, não achou. Meu pai guardou essa joia por mais de cinco anos, acabou vendo-a por uma boa grana para um ricaço na eminência de um filho formar em direito.. Ele doou o dinheiro para as obras sociais da igreja com a recomendação de celebrar uma missa na intenção da pessoa que perdeu a joia.
Fiz este preâmbulo para contar uma passagem comigo aqui em Beagá. Trabalhei muitos anos a noite em casas de diversão noturna, frequentada por pessoas abastadas, os efeitos etílicos faziam com que fregueses perdessem dinheiro e objetos de valor, quando eu achava, entregava na gerência, colegas me chamavam de bobo, mas sempre foi minha índole, plantado na educação de berço .
Achei muitas carteiras sem dinheiro, apenas com documentos, de vítimas de diversas modalidades de crimes, principalmente o famigerado balão apagado, como se dizia na gíria “cochilou, cachimbo caí.” Era muito comum essa prática de furto a noite nas ruas da cidade. As vítimas com endereço e telefone, eu providenciava a entrega, geralmente exigia a passagem. Documentos sem possibilidade de comunicação colocava-os na caixa dos correios. Alguns ladrões tinham práticas maquiavélicas, além de assaltar, machucar a vítima, jogavam os documentos no Rio Arruda., quando a SLU fazia limpeza no leito do Rio achavam vários documentos.
Numa madrugada chuvosa achei uma carteira com documentos de uma psicóloga, Tinha vários cartões de bancos, sem falar em documentos básicos, RG CPF e título de eleitor, fui para casa, dormi e ali pelas 11,30 horas mais ou menos liguei num dos telefones. Atendeu-me o pai da moça, que foi logo perguntando pelo o dinheiro que não era pouco, expliquei-o que achei a carteira em via pública de madrugada. Lembro dele dizendo esta frase: “ minha filha não é vadia das madrugadas”. Por mais que tentasse explica-lo o xingatório não parava; larápio, gatuno, vagabundo e outros palavreados do gênero, desliguei o telefone na cara do ranzinza.
Tentei mais tarde um outro telefone e falei com psicóloga, expliquei ter sido ofendido pelo seu pai, ela me pediu desculpas dizendo que ele sofria de neurose de guerra,fora pracinha da FEB e sempre via a cobra fumando. Pediu-me que levasse os documentos com a promessa de uma boa gratificação, ela fora assaltada no sinal de trânsito e o ladrão levou bastante cruzeiros."c$"
Para fazer uma fofocazinha, contei a ela o lance da vadia da madrugada, ela riu e disse que o pai era do tempo da zagaia, quando as moças namoravam na sala de visitas, beijos era só depois do casamento. Ela badalava a noite sem o pai saber, com a proteção da mãe de espírito moderno.
A gratificação foi mais ou menos uns dez dias de trabalho. Fingi resistir não aceitar, acabei aceitando, afinal estava mais duro de que bunda de santo. Celebrar missa!!! Não!... Ela não era desaparecida... Também não sei se ela era católica!....
Lair Estanislau Alves.