A CRUCIFICAÇÃO...

Os cristãos e devotos estavam em polvorosa, afinal seria mais um belíssimo teatro ao ar livre, e sempre que este acontecia, era marcado por grande emoção, as pessoas ficavam comovidas e era mesmo lindo o trabalho dos atores itabiranos. Naquela época o teatro da crucificação de Cristo acontecia todos os anos.

As pessoas ficavam o ano inteiro em grande expectativa, pois as apresentações do teatro que faziam na Vila Amélia era de fato, espetacular. Apareciam pessoas de todos os bairros da cidade para assistirem e prestigiarem àquela grande encenação, onde vários atores amadores davam um verdadeiro show.

Quando chegava a sexta-feira santa, de manhãzinha, na maior animação, já começavam a montar todo o cenário.

Os barraqueiros aproveitavam e estendiam suas barracas ao lado das ruas, para ganharem um dinheirinho extra, com a venda de salgados e refrigerantes.

Homens, mulheres e crianças ficavam atentos ao desenrolar das falas dos atores em cena.

Na porta da igreja montavam praticamente todo o cenário para o desenvolvimento dessas falas que muitos já sabiam de cor.

Na frente da igreja existe uma grande escada que desce até o nível da rua principal, onde passariam os figurantes e o Cristo carregando a cruz sobre os ombros. Uma multidão acompanhava o moribundo com todo o seu sofrimento rumo ao calvário.

Um pouco acima, fincavam as três cruzes, onde fatalmente estariam, os dois ladrões ao lado do Rei dos Judeus.

Desta feita, o Joaquim, que durante anos fora sacristão, deixou cabelo e a barba crescerem, pois seria ele, quem teria a grande responsabilidade de interpretar Jesus Cristo. Todos os anos o Joaquim implorava ao padre para deixá-lo interpretar o papel do Cristo, mas nunca fora aceito. Essas tentativas de convencimento ao padre duraram pelo menos seis longos anos, até que após terminarem a encenação daquele ano, por surpresa do Joaquim, padre Ivanir disse a ele, deixe essa barba e esse cabelo crescer, pois, se tudo correr bem, no ano que vem você fará o Cristo. O Joaquim seguiu à risca as regras que o padre recomendou. Deixou barba e cabelos crescerem e ficou todo prosa o ano inteiro jurando que faria o melhor Jesus Cristo que já havia atuado em todas as encenações anteriores.

Chegou o dia tão esperado, vários amigos da Vila Amélia participavam daquele teatro e como sempre, a praça estava abarrotada de pessoas que se acotovelavam para verem de perto, todo o desenrolar da crucificação.

Depois de várias confabulações e muitas discussões a respeito daquele que se dizia ser o Rei dos Judeus, com alguns atores em seus papéis mostrando-se exaltados e outros mais ponderados, colocaram sobre uma mesinha, uma bacia onde Pôncio Pilatos, certamente apareceria para dar seu veredito. Então ele chegou e do alto de seu posto de comando veio com dois centuriões o protegendo, em alguns minutos depois, gritou em alto e bom som.

— Ao meu ver, nada pesa sobre esse homem, até agora não posso entender de quê e por que o acusam, sinceramente não vejo nenhum crime que possa pesar sobre seus ombros, nesse caso, como é minha responsabilidade decidir sobre sua sorte, quero dizer a vocês todos que lavarei minhas mãos, quero com este gesto informar-lhes que ficarei limpo do sangue desse homem, jamais poderão me acusar ou culpar pela sua morte, essa é minha palavra única e definitiva.

Honestamente falando, acho que quem deve decidir sobre o destino dele, são vocês e como costume, virou-se para um dos súditos e disse:

—Trazei-me um dos condenados para que haja de fato legitimidade na minha decisão. Todos aqui sabem que por ordem do imperador, devido a ocasião da páscoa, podemos perdoar um condenado. Não demorem, tragam-me Barrabás.

Trouxeram o Zé, com as mãos amarradas e Pilatos gritou para a multidão:

—Então meu povo, o que eu faço com esses dois homens?

Crucifico Jesus Cristo, que se diz Rei dos Judeus, este aqui à minha direita e solto Barrabás, este da esquerda, ou faço o contrário? Nada... passaram-se alguns segundos e a plateia permanecia muda. Pilatos repetiu a pergunta:

—Então minha gente, o que devo fazer? O que eu faço com esses dois homens? Crucifico Jesus Cristo, este aqui à minha direita e solto Barrabás ou crucifico Barrabás e solto Jesus Cristo? Ninguém até aquele momento, nada disse.

Pilatos novamente começou a falar e... Foi então que o Margoso, com a cara cheia de cachaça, cambaleante como um gambá, aos berros o interrompeu e gritou bem alto lá do meio da multidão:

— Solta logo o Zé Leitão e crucifica esse idiota desse Joaquim Pipoqueiro duma vez e para com esse trololó dos inferno, que isso já tá enchendo o saco.

Aí então, o drama da crucificação do teatro da Vila Amélia que via de regra, sempre foi contrito, naquele ano porém, quebrando todo o clima que a ocasião exigia, terminou numa gargalhada geral. O Joaquim foi o único Cristo do Teatro da Vila Amélia que não foi crucificado. Hoje o ex sacristão Joaquim Pipoqueiro está em outra dimensão, mas enquanto foi vivo, nunca conseguiu perdoar o Margoso, aquele maldito bebedor de cachaça com carqueja, que colocou a encenação de sua vida como chacota na boca do povo.

Quando o viam logo faziam a piadinha sem graça: — E aí Cristo, fugiu da cruz, né? Seu medroso!

O Pipoqueiro, ficava possesso de ódio.

Anos já se passaram, mas até hoje, o pessoal nas rodas dos botecos da cidade, quando se lembra, ri muito daquele episódio jamais esquecido.

Marçal Filho
Enviado por Marçal Filho em 11/06/2014
Reeditado em 28/05/2024
Código do texto: T4841333
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