VÁRZEA

Várzea

Levantá cedim, buscá o leitim no currá, qui Zé Boréu tirô inda de madrugada.

Cuá o café num quadô pretim, o leite tumém num panim branquim.

Se iscanchá no fugão pra tomar quentura inquanto o leite alevanta frevura.

Adispois, saí tudo disimbestado na manga pra caçá passarim.

Vortá suadim, cum bornal lotadim, já cum tudo depenadim.

Cás tripa pescá traíra, co resto fazê farofa e cumê tudim, amoitado na juquira.

Metê a cuié no doce, cum cuidado caus do coice e num instantim tudo foi-se.

Cutucá bolo co mindim, pra fazê só um furim iscundido no cantim.

Matá largatixa, atentá as cabrita qui tanto pudia sê bicho ô muié.

Cumê pitomba, brincá de pilonga e se alongá no mato caus da gata parida.

Jantá cabrito, ô pexim do tancão e, de noitinha, subi na janela pra mijá no chão.

Adispois da janta, se ajuntá na varanda e iscuitá históra do tamãim do pexão.

Brincá de puliça e ladrão na luiz do lampião ô da fuguera de São João.

Riuní us irmão, us primo, as prima, as mãe, us tio e inda assim num tê briga.

Agora, riuní os primo de lá, cos primo de cá, no currá, bosta de boi há de avoá!

Pobrema não, adispois nóis mriguia no lago mode tudo lavá.

Ispetá us pé no ispim, tirá u ispim côtro ispim, pisá im bosta e limpá co capim.

Lá na várzea era ansim.

Pras banda de Porterinha, perto de Janaúba, na metad du camim.

Pra lá tinha uns gans, nadan no remans, pareceno tudo mans. Só pareceno...

Nóis subia pro sótão e ispiava lá longe as garça, us boi, e o sol nasceno.

Nóis disputava a cadêra da vovó pra balangá fazeno rangê.

Nóis gostava do rangê e do balango da cadêra.

Nóis balangava oiando o morro, a istradinha lá longe e a portêra lá tumém.

Nóis quiria sabê quem vinha lá, se era fulano ô beltrano, ô só um passadô.

Ah, nóis disputava tumém quem é que sabia premêro quem é qui vinha.

Da cadêra da vovó nóis via o morro a represa e a sombra do morro na represa.

Via tumém muié trazeno água pro pote e pra fazê o di cumê.

Da cadêra da vovó a gente ovia o silêns, a água bateno nos toá.

De noitinha, daquela cadêra, ovino o ráid, a gente via os farol dus carro na istrada.

Naquela cadêra a gente já riu das coisa ingraçada e já chorô das coisa triste.

Mar o bom daquela cadêra é que nela a gente mar riu du quê chorô.

Tarvêiz aquela cadêra ainda ranja cum alguém ô co vento bulindo nela.

Tarvêiz o seu ranger dôje im dia seja um lamento pruquê vovó num tá mais aqui.

Pruquê nóis num pode mais disputá pra sentá nela, pruquê nóis tá longe.

Pruquê nóis num pode mais dimirá ela, nem o morro, nem a represa, nem nada.

Pruquê hoje im dia num tem mais Silú, nem Celina, nem Vicente, nem Geraldo.

Num tem mais Nilson, nem Dener, nem Tarcísio, nem Juju e nem Fábio.

Hoje num tem mais muleque, num tem mais esses parente, hoje num tem essa aligria.

Hoje só tem u ranger da cadêra, caus do vento bulindo nela no vazio da Várzea.

Mar um dia, amados, a gente se riúne de novo nôtra fazenda, côtras aventura, côtras aligria inté maió e mió e aí, abraçados a gente vai podê oiá praquele horizonte lindo, com Deus abrino a portêra pra ôtro fulano ô beltrano e nóis se priguntano: - quem é que vem lá pra se ajuntá ca gente nessa aligria tôda!

Charles Lucevan Rodrigues
Enviado por Charles Lucevan Rodrigues em 10/06/2014
Reeditado em 10/06/2014
Código do texto: T4840094
Classificação de conteúdo: seguro