OS BOIS E OS GUARIBAS
“... o hábito faz o Monge...”
No dia a dia do contador de “Causos” acontecem coisas inusitadas. Esta semana por exemplo recebi uma carta manuscrita do Xicão, meu revisor de textos. Mandou um “Causo” que segundo ele era contado por seu Avô, morador nos sertões das Minas Gerais. Nas recomendações preliminares, diz ele, que trata-se de um roteiro onde posso usar a minha imaginação férvida (segundo ele) e ilustrar à minha vontade. Acontece que o indivíduo em questão é especialista nas coisas de nossa língua. Fora que é poeta e escritor de fina cepa. E fiquei preocupado de como poderia dar continuidade a uma tarefa que havia sido iniciada por especialista. Dai meu Anjo da Guarda que estava de plantão sugeriu-me que fizesse uma introdução e que o seu texto fosse transcrito “ipsis literis”. Quem de bom senso poderia recusar a proposta de entrar num time de futebol que já estava ganhando de quatro a zero no início do segundo tempo? E então mandei ver: “... Meu Avô costumava contar este Causo que, segundo ele, se refere a uma fato acontecido na Fazenda do Bom Retiro, de sua propriedade. Nesta fazenda nasci e fui criado. Vivíamos da renda proveniente de toda a propriedade rural de pequeno e médio porte em Minas Gerais. Plantávamos cana de açúcar e fabricávamos rapaduras, dentre outras atividades tais como cultivo de milho, feijão e arroz para o gasto. A moagem da cana era feita em ocasiões especiais. Levantava-se às duas da madrugada e à luz de candeias alimentadas com azeite de mamona se iniciava o trabalho no engenho. Tínhamos uma junta de bois que executava o trabalho de mover o engenho. Bois mansos: um azulego e outro de pelo avermelhado, tendendo para o escuro. Caboclo e Moreno eram seus nomes. Atados a uma manjara iam girando cordatos e tão tranqüilos que, às vezes, iam ruminando e mascando como se não estivem em serviço. O engenho tinha suas instalações numa área coberta, de mais ou menos uns doze metros de diâmetro onde os bois circulavam enquanto a cana era colocada nas moendas e a garapa jorrava fluente e abundante. Ali pelas cinco e meia ou seis da manhã já estava cheia uma tacha que dava cerca de noventa rapaduras. Para uma segunda tachada já estava cheio também um cocho.
A fazenda ficava numa grota cercada de montanhas, como é comum em Minas Gerais. Na confluência de cada montanha uma bela e límpida aguada. No topo das montanhas muita mata que meu Avô não permitia que fosse derrubada. Lembro-me das lindas orquídeas floridas nos troncos de inúmeras árvores gigantescas. Eram jacarandás, braúnas, carvalhos, angicos e jequitibás dentre muitas outras. Essas árvores e toda a mata eram freqüentadas por uma fauna considerável. Nas tocas muitas pacas, cutias e caititus. Nas copas das árvores era uma festa ver a algazarra dos papagaios e periquitos convivendo pacificamente com diversa espécies de símios. Macacos prego (piticó), monos, guaribas e sagüis. Os guaribas, sobretudo, eram muito festeiros. Emitiam um som característico que e ouvia longe.
Deu-se que um dia um agregado da fazenda, por nome de Zé Marcolino, tendo saído á procura dos bois para o trabalho da moagem, não os encontrou. Voltou e relatou ao meu Avô, Seu Zé Pedro, que não havia encontrado nem rastro de Caboclo e Moreno. Meu Avô então perguntou: você procurou na mata? Esses bois são muito veiacos e podem estar escondidos na mata. Zé Marcolino bateu a mata. A certa altura ouviu os Guaribas fazendo sua farra. Havia um vinhático frondoso que se destacava na mata e era muito freqüentados por esses macacos. Zé Marcolino achou de esquecer os bois e foi observar os Guaribas. Caminhou até a proximidade do tronco do vinhático. Um belo tronco com cerca de vinte metros de altura por um metro de grossura. Ao se aproximar da árvore surpresa! Caboclo e Moreno ao ouvir dos monos um som semelhante ao do engenho, na concepção deles, puseram-se emparelhados a girar ao redor do tronco, como se no engenho estivessem. Havia chovido muito e a junta de bois já devia estar ali moendo a bastante tempo porque o barro que amassaram lhes cobria as canelas. Zé Marcolino tocou os animais para o curral e, apesar de estarem enlameados, Seu Zé Pedro não quis acreditar no relato do agregado. Isso é conversa pra boi dormir. Você está inventando moda. E tem mais, disse Zé Marcolino. Agora que estou entendendo aquele pisoteio em volta do jequitibá e do jacarandá grande! Macacos me mordam!...” (oldack/05/06/014)XXX