OS DEFUNTOS DO GODOFREDO

Na década de 50, nas cercanias de Mato Dentro, existia um sujeito que alguns achavam esquisito, outros o achavam divertido e outros ainda, o comparavam ao urubu agourento dos quintos.

Godofredo era desses bêbados profissionais, não era qualquer um que podia competir com ele nas artes das bebedeiras.

No Mato Dentro, sua fama espalhava, alguns gostavam e outros não, em todo caso, isso a ele, pouco importava, pois na maioria das vezes se divertia com as mais variadas situações.

Sua fama corria como rastilho de pólvora por toda a região, muito se dizia que sua perícia para as bebedeiras ecumênicas não tinha precedentes em todo o condado. Bebia de um tudo, desde as cervejas de variadas marcas, quanto qualquer outra bebida, mas tinha absoluta preferência pela caninha.

Era desses de mamar um litro inteirinho de cachaça, sem pestanejar e quando não havia a dita cuja, bebia álcool destilado mesmo.

Enfim, Godofredo era um especialista em beber e todos que ousavam desafiá-lo perdiam a aposta e passavam vergonha, era Godofredo muito conhecido em todos os becos e botecos da cidade, frequentava assiduamente a todos eles e em todos era bem recebido, mas nada deixava Godofredo mais contente que os velórios da cidade.

Onde houvesse um velório, podia se apostar alto, lá estava Godofredo entre os acompanhantes do defunto. Chegava como quem não quer nada e conhecendo ou não a família, adentrava ao recinto e ficava por ali bebericando suas pinguinhas e jogando conversa fora. Naquela época, nos velórios, a bebida corria solta.

Criaram a seguinte frase na cidade: “Velório sem Godofredo não tem sentido, nem enredo”.

Não importava se o velório era de gente rica ou gente pobre, o certo mesmo, era a presença do sujeito.

De fato Godofredo se tornara um grande prestador de condolências e as fazia com todo o esmero possível.

Tinha um terno preto de tergal, já um tanto desbotado que fora feito especialmente para essas ocasiões.

Ficava muito irritado quando acontecia dele perder um velório, não se perdoava e xingava a si mesmo horas a fio se isso acontecesse, era como se tivesse perdido um dia de trabalho.

Quando acontecia mais de uma morte em determinada data, ele na maior satisfação se desdobrava para marcar presença em todos os velórios, segundo ele, aquilo era uma questão de justiça, precisava estar presente em todos os lares tristes.

Então quando aconteciam mais de dois velórios ele se matava de andar ainda mais, mas fazia questão de passar pelas casas todas em que havia um corpo esticado nas salas das residências matodentrenses.

Naquela ocasião em Mato Dentro, não existia Velório Municipal, as pessoas velavam seus entes queridos em casa mesmo e como tinha que ser, as pessoas eram veladas à noite, para que no outro dia, o enterro pudesse ser realizado.

Os causos varavam a madrugada e entre um ou outro, ou entre uma e outra piada, além dos lanches e cafés, as rodas de cachaça eram distribuídas fartamente, motivo mais do que suficiente para a ilustríssima presença de Godofredo.

Aconteceu que certa noite, faleceu um sujeito no Bairro da Praia e lá por volta da meia noite, o Godofredo se enfiou no esfarrapado terno preto e rumou para o velório, a casa estava lotada de pessoas e tinha uns três rapazes amigos daquela família, que detestavam aquele sujeito agourento chamado Godofredo, então ficaram de sobreaviso, quando um deles disse:

— Se aquele tal Godofredo Maldito aparecer por aqui vamos fechar a porta e que ele vá caçar defunto no meio da zona, aqui ele não entra, está certo gente?

—Certo, os outros concordaram.

Mal terminaram de falar e apontou no fim da rua, o Ilustre Urubu, veio com seu passo trôpego e arrastado como sempre.

Fecharam imediatamente a porta e todos ficaram em completo silêncio, sob a luz fraquinha da lamparina.

— Ô de casa, bateu na porta o Godofredo.

Nada. Silêncio absoluto.

— Olá gente, é o Godofredo, abram aí, quero ajudar a velar o Ambrósio.

Nada, nenhum sussurro, todos ficaram caladinhos.

Godofredo insistiu mais umas três vezes, não adiantou, não atenderam e um dos rapazes gritou lá de dentro:

— Vá embora, vá caçar cachaça no inferno, aqui não tem cachaça não, seu urubu azedo.

Indignado com aquela falta de respeito, Godofredo girou nos calcanhares e soltou essa pérola:

—Enfia esse diabo de defunto na bunda seus filhos da puta, pois vou lá para o Bairro Pará, ajudar a velar o Francisco, cambada de cretinos miseráveis do capeta, onde já se viu uma falta de respeito desse tamanho com minha pessoa?

Godofredo era assim, além de "velador" de defuntos e cachaceiro, gostava da sonoridade dos famosos palavrões.

Marçal Filho
Enviado por Marçal Filho em 05/06/2014
Reeditado em 03/12/2023
Código do texto: T4833704
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