O PADRE ROMILDO VIROU LUBISÔME

Dona Bastiana amanheceu atarefada. O padre Romildo veio cedo tomar café e almoçar na casa dela. Não era todo dia que ela recebia uma visita importante, ainda mais sendo o padre Romildo. Um homem de Deus. Um verdadeiro santo na Terra.

Dona Bastiana também tinha um filho, o Tião, menino traquina, danado, virado na gota serena, desobediente que só a peste, que passava o tempo todo no meio do mato caçando rolinha. Não queria estudar nem gostava de ajudar nas tarefas da casa. Vivia no açude fazendo estripulias com os meninos dos outros sítios da vizinhança e tinha uma amizade medonha com dona Benedita, uma velha catimbozeira que morava numa casinha no alto do serrote. Isso ela não gostava nem um pouco, dessa amizade com essa macumbeira. Por isso queria que o menino tivesse amizade com o padre Romildo, pra ver se ele pelo menos tomasse gosto e fosse ajudar o padre na igreja e quem sabe um dia virasse padre também.

Bem cedo, mal o sol raiou por riba do serrote, dona Bastiana mandou o menino buscar água pra fazer o almoço e nada dele chegar.

- Eche menino parece que tá é tangendo caranguejo!

O menino chegou com a água no lombo do jumento quase às onze horas. Dona Bastiana ralhou com ele, mas o menino parecia que tinha ouvido de mercador.

- Vá pedir a bênção pro padre Romildo, menino! Deixe de ser herege!

- Vô não sinhora! - respondeu já se afastando como o cão com medo da cruz.

Dona Bastiana pegou o relho.

- Prefiro levar uma surra do que falar com esse pade véi! A dona Benedita disse que de noite ele vira lubisôme!

Dona Bastiana deu um pulo pra frente com o relho na mão. O menino deu um pulo pra trás.

- Vá pedir perdão pro padre Romildo, menino! Onde já se viu falar assim de um homem santo?

- Ele num é santo não mãe. Ele gosta de pegar na piroca e nos zóvos dos meninos lá na sacristia. Até a dona Benedita disse que ele vira lubisôme!

Dona Bastiana se benzeu três vezes e pegou o chiquerador para aplicar uma surra merecida no menino Tião, mas ele mais rápido do que um raio se atrepou no lombo do jumento e sumiu no meio do mato, rasgando o folharal, rodopiando no meio da poeira.

Então ela se lembrou que deixou o padre Romildo sozinho na sala, esperando pelo café. Dona Bastiana tomou um susto quando padre Romildo de repente apareceu atrás dela, com os olhos esbugalhados, a batina toda rasgada, as mãos peludas, babando como um cão raivoso. A pobre mulher apavorada quase desmaia de pavor ao se encontrar frente a frente com aquela criatura saída dos quintos dos infernos. Paralisada de medo, ainda ouviu o padre Romildo tentar pronunciar alguma coisa, um misto de fala humana e de rosnado de um lobo faminto.

- Cadê o menino Tião, dona Bastiana? Eu tô doido pra pegar nos zóvos dele, pra ver se ele é mesmo macho!

Dona Bastiana correu em desabalada carreira, tendo o padre Romildo já virando lobisomem no encalço dela. Ao chegar na sala, dona Bastiana se apoderou de uma imagem de Nossa Senhora de Fátima que tava em cima de uma mesinha e atingiu a cabeça do padre-lobisomem com toda força que tinha naquele momento. O miserável do padre caiu com todo o corpo no chão, destrambelhado, urrando como um porco no matadouro. Da estátua de Nossa Senhora de Fátima, só sobrou a cabeça, que saiu rolando porta a fora.

A cena era grotesca. De um lado, a dona Bastiana, arquejando de puro cansaço, se tremendo como vara verde, agarrada com um rosário numa mão e uma vela acesa na outra. Do outro lado, estatelado no chão, no meio de um monte de caco de gesso, o padre Romildo com a testa aberta com um rombo jorrando sangue.

O padre velho se levantou lentamente, se ajeitou numa poltrona, arrumou o cabelo, limpou o sangue da testa com um lenço e num sorriso, se dirigiu para dona Bastiana, paralisada de medo:

- Como é, dona Bastiana. Esse café sai ou não sai?