Era uma vez um porquinho...

Meu pai era um homem que gostava e entedia da vida no campo. Comprovei isso, quando por três anos moramos em Rondônia. Foi uma aventura que durou pouco, mas rendeu grandes experiências e boas histórias.

Quando chegamos lá, compramos um sítio, distante uns trinta e cinco quilômetros da cidade mais próxima, e com as estradas de terra em péssimas condições. Era como estar isolado do mundo. Diante disso havia a necessidade de ser prático, com os suprimentos alimentares, por exemplo.

E foi assim que o meu pai comprou uma “porcada” e começou a fazer uns cruzamentos com intuito de conseguir melhor aproveitamento dos animais.

Um dia decidiu que para incrementar e apurar a genética, exemplares vindos de outras localidades seria a solução. Então resolveu comprar um casal, tidos como de raça mais apurada. Para isso recorreu o Sr. Merquides afamado criador de porcos que morava numas terras além do Rio Urupá, distante muitos quilômetros.

Depois de uma logística capenga, a viagem heróica, com direito a travessia de rio com bote a remos, os leitões chegaram são e salvos em nossas terras.

Meu pai, cheio de esmero, acolheu-os em recinto separado dos demais e ali, passaram a receber um tratamento diferenciado até se adaptarem.

Uma semana se passou e meu pai achou que era de hora de soltá-los junto aos demais. Ele estava enganado. O porquinho macho da sua nova aquisição quando se viu livre logo desapareceu, alongou no mato, como diziam. Meu pai, por dias, escarafunchou toda a redondeza à procura do seu suíno, e diante do insucesso sempre lamentava: -Logo o machinho, que iria virar um grande cachaço!

Certo dia, eu e meu irmão estávamos na labuta da lavoura, do lado extremo da propriedade, distante de casa uns três quilômetros, quando passa um vizinho que morava naquelas bandas. Ficamos alguns minutos ali conversando sobre assuntos diversos, e no meio da conversa narrei o sumiço do porquinho. O vizinho pediu detalhes das características do animal e com os meus pormenores a respeito do bichinho, ele bateu o martelo: -Esse porquinho tem rodeado o nosso sítio! E acrescentou: -Mas ninguém consegue pegá-lo, tá arisco demais.

Eu que na época tinha uns treze anos, doido pra fazer uma média com o meu “velho”, vislumbrei nisso uma grande oportunidade para ganhar respeito e estima dele. Eu e o meu irmão partimos imediatamente para o sítio do vizinho, munidos de cordas e muita vontade.

Não foi tarefa fácil resgatar o animal. Depois umas correrias sem fim e de muitos arranhões por conta de uma capoeira infestada de aranha-gato, acuamos o fujão, passamos a cordas nas pernas traseiras e rumamos para casa tangendo o “troféu”.

Na empolgação de chegar logo em casa, hora andávamos numa passada rápida, hora exigíamos que o animal corresse dando solavancos nas cordas atreladas aos seus pés. Para nós aquilo era um misto de heroísmo misturado a uma brincadeira infantil. Fazia um calor infernal e logo o animal sucumbiu ao cansaço, deitou e lá ficou com a respiração ofegante.

Não me dei por vencido, emprestei uma vasilha de outro vizinho, corri até uma mina d’água e voltei carregando a solução, água fresca. O animal ainda esbaforido rejeitou a água, então eu despejei-a pelo seu corpo, na intenção apaziguar o seu cansaço. Aquele ato provocou a morte instantânea do animal.

Foi como se o mundo tivesse caído todo sobre mim, por duas razões, eu gostava muito do animal, e a outra seria enfrentar a ira do meu pai.

Quando ele soube do acontecido ficou muito bravo, e só não ganhei uns cascudos por intervenção da minha mãe e primo mais velhos, que vieram ao meu encontro e ressaltaram a minha boa intenção. Escapei ileso.

No sítio nada se perde. O porquinho era imprestável para o consumo humano por razões óbvias, então restou a ele um destino menos nobre, virou sabão, bastante sabão...

Depois de prontas, as barras de sabão ficaram expostas numa prateleira alta do lado externo da casa, e de vez em quando minha mãe pedia a algum de nós que estava ali por perto... –Menino, pega lá uma pedra de sabão pra mãe! Quando o meu pai presenciava esse ato, franzia a testa em desagrado, limpava a garganta como num ato de emburramento e lançava-me um olhar acusatório... Eu desviava o olhar, tremia por dentro e reclamava em pensamento... –Oh sabão que não acaba...