GRANDE MUDANÇA
PRIMEIROS ACONTECIMENTOS
Eu tinha 13 anos no 1º semestre de 1995, meu pai era funcionário de uma empresa que tinha transferido o setor em que ele trabalhava para uma cidade do interior chamada Hortolândia. Durante os últimos meses desse semestre ele viajava para o interior, pois precisava acompanhar o processo de transferência do setor. A empresa, nesse período, convidou alguns profissionais – meu pai era um deles -, para depois de concluir a mudança continuar a trabalhar nela, só que em Hortolândia. Daí surgiu o grande problema: meu pai iria mudar com a família? Iria alugar uma kit - net para passar a semana e no final de semana, ir para casa em São Paulo? Ou iria viajar todo dia?
Agora tínhamos um problema onde a família toda estava sendo envolvida. Meus pais comunicaram a hipótese da mudança para eu e meu irmão, eu gostava da idéia e ele a repudiava com muita convicção, enquanto meus pais pesavam as vantagens e desvantagens. Por fim, a decisão só foi determinada depois de três acontecimentos.
O primeiro fato ocorreu em um dia de semana do mês de abril, eu acordei mais cedo que os meus pais e fui à padaria comprar pão e leite. No caminho vi uma movimentação fora do comum na rua, em seguida uma ambulância. Aproximei-me e vi um garoto, que jogava futebol com a gente, morto, tinha sido assassinado. Vim a descobrir depois que ele era traficante e participava de uns assaltos na Lapa.
O outro fator aconteceu uma vez em que eu e meu irmão estávamos seguindo para a escola em Moema. Nós tínhamos decido do ônibus e estávamos caminhando até o colégio quando fomos assaltados a mão armada por um garoto que deveria ter aproximadamente 16 anos.
O último fator foi o fato de meu pai ter dormido ao volante em uma das vezes que ele estava voltando de Hortolândia. Depois desse acontecimento, somado aos anteriores, meus pais começaram a procurar uma cidade para nós morarmos, que não poderia ser Campinas, pois eles não queriam uma cidade parecida com São Paulo. Eles queriam uma cidade com melhor qualidade de vida e, nesta região, encontraram Indaiatuba. A cidade era próxima de Hortolândia, Campinas e São Paulo, além de não ser muito grande e de ter baixo índice de violência. O único problema eram os pedágios, mas como contornar isso, nós descobrimos com alguns funcionários da mesma empresa que meu pai trabalhava e já moravam na cidade.
MUDANÇA E ADAPTAÇÃO
Quando mudei para Indaiatuba em Julho de 1995, tinha acabado de completar 14 anos. Tinha muitas expectativas com relação à nova cidade. Algumas delas foram superadas pelo lado bom e outras pelo lado ruim. Dentre as várias coisas interessantes que permearam esta mudança, tanto da minha adaptação à nova cidade como a minha saída de São Paulo, capital, está à recepção da idéia pelos meus amigos paulistanos quando os informei sobre a minha mudança. Para não ficar dando muita satisfação avisei que estava mudando por causa da transferência de meu pai, que todos achavam ser delegado, só porque ele tinha bigode e sempre andava de terno.
Quando contava que mudaria para Indaiatuba a maioria dos meus amigos achavam que eu iria para o litoral, em uma praia do mesmo nome da cidade, outros já conheciam Indaiatuba pelo Residencial Colinas do Mosteiro de Itaici. Eu também só conhecia a praia, que fica no litoral norte do Estado de São Paulo. Mas dizia a eles que era uma cidade perto do aeroporto de Viracopos, pois Campinas não pegava muito bem na capital, devido as infames brincadeiras e piadas. Por fim, minha família começou a mudar vagarosamente de São Paulo para Indaiatuba durante o mês de Julho. No mês de Agosto ficamos hospedados em um hotel, até os pintores terminarem o serviço em nossa casa.
Em Indaiatuba, conheci primeiro o pessoal da escola que estudei. Depois conheci o Vitor, um amigo que amava natação tanto quanto eu, e nos matávamos nos treinos da Selt (1). Nesse momento comecei a conhecer um pessoal que morava perto da rua em que morava. Depois conheci os meus amigos que ainda hoje os vejo, são o Felipe, o Kiko, Valtinho, Maurício e o Coxinha. Com eles passei minha adolescência jogando futebol – eu tentava –, zoávamos e curtíamos as baladas no Indaiatuba Clube e no clube 9 de Julho, que sempre terminavam na feira.
Nesse meio tempo, percebi as diferenças entre Sampa e Indaiá, algumas vezes não de forma tão legal como esperava que fosse a minha vida nesta cidade. O primeiro entrave foi a dificuldade que minha mãe encontrou de colocar eu e meu irmão em uma escola tradicional de Indaiatuba, a escola recusou-nos e destratou alguns migrantes de São Paulo, como vim a saber por outros amigos migrados para Indaiá. Fazer o que, não é possível ir nessa escola, vamos procurar outra, encontramos outra de boa qualidade também. Nesta não encontramos resistência e acabou por formar meu irmão e eu no ensino fundamental.
Outra dificuldade foi à adaptação referente aos beijos e abraços... Em São Paulo, cumprimentávamos as meninas com dois beijinhos e um abraço e quando éramos apresentados, eram três beijinhos. Aqui isso não era muito bem visto, achavam que eu estava paquerando ou namorando as meninas e mesmo elas acabavam por estranhar a situação. Eu também estranhava, pois era o meu costume e me via censurado.
Mas o que mais me incomodava era o fato das expressões “o outro lado da linha do trem” e o mau julgamento dos paranaenses (2). Essa expressão foi várias vezes por mim ouvidas, além das formas agressivas ou irônicas que algumas pessoas se referiam à presença de pessoas desse Estado. Depois descobri que a presença de paranaenses na cidade de Indaiatuba se tratou de uma política municipal de povoamento da cidade. Essas pessoas muitas vezes agricultoras do Estado do Paraná saíam de suas terras ou das lavouras em que trabalhavam, deixando suas famílias e parentes para virem em uma terra distante, em outro Estado, razoavelmente longe da onde moravam para tentar arranjar empregos em fábricas (3). A cidade teve de promover essa migração devido a pouca quantidade de mão-de-obra necessária para as empresas que estavam vindo para cá.
Os migrantes paranaenses, entre outros, fixaram-se na região posterior à linha do trem - quando você tem como perspectiva o centro e os bairros mais tradicionais. Dos bairros tradicionais poucos ficavam afastados do centro ou localizados depois da linha do trem. Por isso, convencionou-se a chamar os paranaenses como morador do outro lado da linha do trem e este rótulo denotava uma marginalização desses moradores, como se eles não fizessem parte da terra para qual migrou e como se eles não a ajudaram construí-la.
Migrantes em Indaiatuba há bastante, vemos muitos mais descendentes além dos paranaenses e paulistanos, e como o nosso país, tem uma grande variedade étnica, que hoje consegue viver em melhor harmonia. Indaiatuba para mim, não ficou como a cidade que resiste a mudanças, na realidade, ela está em minhas memórias como uma cidade que fiz grandes amizades, que aprendi a viver mais independente e que pude viver uma boa adolescência, mesmo assim, destacar minhas dificuldades como migrante penso ser essencial.
Notas do Conselho Editor:
(1) Selt é a Secretaria de Esportes, Lazer e Turismo da Prefeitura Municipal de Indaiatuba.
(2) O uso da expressão “do outro lado” antecede (sabe-se que já era usada na década de 40) a época do loteamento e povoamento do Jardim Morada do Sol (década de 80). Realmente refere-se à divisão da área urbana do município conforme citado pelo autor, feita pela linha do trem. Na época em que começou a ser usada, o Jardim Morada do Sol era uma fazenda da família Barnabé, o centro da cidade era pequeno (ia aproximadamente até onde, atualmente, é o Bairro Cidade Nova). E o “outro lado” era a região perto do Hospital Augusto de Oliveira Camargo, denominado Bairro Santa Cruz e adjacências, onde morava a população mais pobre.
(3) Muitos dos migrantes paranaenses que vieram para o Jardim Morada do Sol, no início da década de 80, saíram da região do município de Moreira Sales na ocasião em que as lavouras de café, milho e feijão foram substituídas pela lavoura de amora – utilizada para a criação do bicho-da-seda.
Daniel Lorim Antonietto.
2006