PRAS BANDAS DE PASSA DEZ

Pessoas simplórias são presas fáceis de gente esperta que lhes ronda a casa para dar um golpe em ocasião apropriada.

Sabendo ser a Dona Maria, mulher de um tal de Bastião e antes, viúva de um certo Alfredo bastante simplória, errou por aquelas bandas um ex-cometa (vendedor ambulante ), indo esbarrar de propósito na pequena casa que ela morava com o segundo , num pé de morro difícil de chegar. O lugar era afastado do comércio mais próximo cerca de uma hora a pé, e bem uma meia hora a cavalo (carro não chegava).

Bom; certo é que o salafrário já tinha alguma coisa pronta para pilhar a roceira que ele sabia estar sozinha. O Bastião estava pro comércio, mexendo com suas viradas de catira, (troca de gêneros) uma especialidade dos mineiros, (era região de PASSA DEZ MG).

Assim, quando este gritou acusando sua presença junto à cancela que desautorizava ultrapassar sem o consentimento dos da casa, fato que era bom não esquecer já que dois cães de afiados dentes lembrariam dessa atenção sem demora.

Os latidos dos cães e a aproximação rápida destes precederam a dona da casa numa recepção ruidosa e nada amigável.

Maria tratou de espanta-los, antes que os cães fizessem a mesma coisa com a visita.

- Bailarina e Tostão, fora, que o relho tá aqui na mão.

A mulher aproximou-se e não sendo comum passar pessoas por ali, olhou o moço com habitual desconfiança, acreditando pela vestimenta tratar-se de algum necessitado (aparência que o espertalhão queria supor e estava funcionando) A surradíssima roupa consistia numa camisa de saco de farinha de trigo, ainda com a propaganda do fabricante, furada perto do peito, com outro furo nas costas, fazendo terno com uma calça que quem tentasse, teria dificuldade para saber o tipo de pano cujo encardido sugeria ser brim com indefinida cor que é bem capaz de algum dia ter sido verde. Calçava um par de botinas que no pasto podia ter coisa melhor jogado fora.

Mas o que deixava claros sinais de compaixão (por parte do sem vergonha) à primeira vista era o ar de súplica associado a uma barba encardida, terminando nos cabelos esbranquiçados protegidos por um chapéu molambento, tudo cênico e cínicamente preparado para fazer aquela mulher chorar enternecida por alguém tão carecido de uma atenção imediata, e a Maria só pôde exclamar sentida pelo outro:

- Santo Deus, moço de onde o senhor lá vem vindo?

Sem perda de tempo o vigarista falou com ar triste:

- Eu? Eu venho do céu dona.

- Do céu? - como? - Tem jeito? - pra mim só dava certo de ir pro céu, voltar, nunca vi. - Fala a dona Maria entre curiosa e com bastante pena do outro que parecia querer cair ali na frente dela a qualquer momento de fraqueza.

- Não é comum ninguém vir, mas sou um enviado do criador para atender as necessidades de quem deixou alguém sofrendo aqui na terra, uma missão divina na verdade, coisa rara daí o espanto da senhora. Emenda o outro.

- O senhor tem fome? pergunta ela acreditando em tudo que ouviu preocupada com a bambeza do moço.

- É. se a dona me faz a caridade de um pedaço de pão velho eu me ajeito com a barriga que de fato ronca de fome tem dois dias.

- Nossa que pena! Coitado! Chegue até mais perto da porta da cozinha que vou ver o que eu tenho de uma comida. - E virando-se para os cães que pareciam pressentir o embuste rosnando de vez em quando ela bradou brava:

- Vocês dois, fora, sai logo que eu dou bordoada nos dois agora.

Entra para ajeitar o de comer que o outro com tempo marcado engole dando assunto para o lugar de onde viera e estaria por lá o finado Alfredo, (que de fato não voltaria nunca mais ao contrário do Bastião que estourava pra chegar e com isso sim a coisa ia ficar preta pro lado dele.)

- A dona tem alguém no céu? Pergunta ensaiando uma "ajuda".

Emocionada a mulher lembra com alguma melancolia do Alfredo e fala com voz saudosa.

- Ora, homem bom que nem o meu falecido Alfredo não pode ir pra outro lugar, é no céu. O senhor não o viu por lá?

O embusteiro coçou o queijo como se fosse tomar uma decisão importante e sabendo características de antemão do morto (morrendo de medo do vivo Bastião chegar ) perguntou '

- Era um senhor com cabelos grisalhos e lisos, e de costume rir fácil?

- Ele mesmo, como sabe disso? - pergunta a mulher.

- Lá só ele quem é desse jeito. Um tipo alegre.

Fala o outro com a informação na verdade obtida numa venda lá do comércio entre bêbados e o vendeiro, quando preparava o golpe e deixando a mulher pronta de vez para o bote que ele dá já na pergunta seguinte:

- E lá no céu precisa das coisas iguais aqui?

- Já que a senhora tocou no assunto, no caso do Alfredo eu vejo como ele sente saudades das coisas daqui que ele não tem por lá.

- Não me diga. - falou ela sentida pelas necessidades do marido morto e já se mostrando servil.

- pois é Dona, é tanta coisa que precisa lá.

- O que, por exemplo?

- Bem, uma manta de carne de Sol, rapadura, um queijo desses curados, um doce do que ele mais gosta.

- É do de laranja da terra que eu fazia pra ele! - quase grita de alegria a idiota da mulher.

- É, são essas coisas, mas a Dona deve me trazer tudo sem demora que o céu tem horário para fechar os portões - Adianta o sem vergonha lembrando do Bastião.

A Maria caprichou nas provisões e o sujeito teve que fingir uma dor nas costas para não se mostrar forte carregando tudo aquilo e ela sentiu pena dele com aquele peso todo.

- Ai meu Deus, não vai te atrapalhar não, olha sua saúde hein?

- Eu tô meio fraco, mas vale o esforço pelo coitado do Alfredo que merece a caridade.

- Eu estou emocionada, ainda bem que no céu não usa dinheiro.

As bolas dos zoio do outro viraram e reviraram quando ouviu falar de dinheiro e então ele mais que depressa quase gritou:

- Dinheiro? Ia me esquecendo de é o que ele mais precisa porque lá as doações e ofertas para Deus são feita diretamente. Como a senhora lembrou certinho de uma coisa muito importante para o Alfredo, que cabeça boa essa sua.

- Mas o dinheiro que eu tenho aqui é do Bastião.

- Não fique preocupada, o próprio Bastião vai entender que a causa é boa e ele aqui na terra tem como ganhar outro, enquanto o Alfredo nunca poderá sair de onde está, e somente eu poderei atendê-lo levando o que ele precisar e esse dinheiro vai lhe deixar num cartaz danado com Deus.

- É mesmo? Então espera ai um pouco que eu vou pegar.

Em pouco tempo o embusteiro está com o corpo todo inclinado do peso das coisas que conseguiu na tapeação e mais uma quantia razoável de um dinheiro que o Bastião a todo custo guardava.

Saiu andando pelo caminho afora rumo à fazenda dos eucaliptos, e quando tomou uma dianteira de meia hora chega o bastião no seu burro. Bichinho orelhudo e desconfiado que tão logo o dono lhe deu folga foi pra uma moita de napiê se permitindo a uma degustação.

Lá dentro cumprimentou a mulher com um resmungado familiar pensando na comida.

Ela não quis deixar o Bastião sem saber da novidade e já foi falando contente:

- Bastião, não imagina você que hoje veio um moço lá do céu.

- Deixa eu te dizer uma coisa Maria, o dia hoje não me rendeu nada lá na Vila, portanto se você puder evitar encher meus ouvidos de lorota já melhora um pouco as coisas.

- Mas isso você precisa escutar homem de Deus, o moço veio mesmo do céu e trouxe notícias do falecido Alfredo.

Quando a mulher falou no marido morto o Bastião entendeu logo que não devia dar valor ao que ouvia e usando o outro ouvido desocupava tudo que entrava pelo primeiro cuidando só da comida para dar um jeito de buscar duas vacas numa grota que deixou soltas para pastar.

- Precisava ver como ele era coitado, mas eu dei comida pra ele, e também umas coisas pra levar pro Alfredo.

Quanta bobagem sou obrigado a ouvir meu Deus, como fui amasiar com uma mulher burra dessas. Será um castigo? - Pensava o Bastião dando a última garfada e preparando para pular no lombo da montaria quando ela diz algo que fez mudar o seu itinerário.

- Falar nisso, eu dei aquele dinheiro que estava guardado na gaveta do quarto para o moço levar pro Alfredo.

- Tá doida Maria, dinheiro pra levar pro céu? onde aprendeu besteira desse tamanho mulher? - isso sim é burrice das grandes!!

- Mas Bastião, lá tem ofertas direto pra Deus.

- Esse cara te passou a perna sua besta, como ele era?

- Estava com uma camisa branca furada na frente e nas costa e tinha uma barba e chapéu bem velho, era na verdade um coitado mesmo olha lá se não está caído pro caminho afora!

Você foi burra demais sua tonta, eu vou atrás dele e na volta você vai bater um papinho comigo pode esperar. Pra que lado ele baldeou?.

- Pro lado da fazenda dos eucaliptos.

O bastião nem escutou direito a resposta da mulher, já colocou a parabélum na cinta e montou no burro galopando veloz no rumo que ela falou, guardando as referências dadas e sabendo que a dianteira do outro era boa mas foi eufórico, esperançoso dele estar a pé.

O sujeito no itinerário já havia se livrado das roupas velhas, da barba postiça e jogado tudo no meio do mato inclusive o chapéu, usando outra vestimenta e mudando por completo a aparência se passando por alguém que andava por ali com destino certo e indo para perto. Mas a pé não tinha marcha que rendia e por isso quando viu numa baixada no rumo do mesmo caminho que estava uma poeira levantada a menos de um quilometro, provocada por alguém em montaria lembrou-se do bastião e seu burro.

Usando de um ardil rápido escondeu o que levava numa moita de capim perto de uma erosão pequena, cobrindo com folhas de coqueiro e antes do Bastião aproximar inverteu o itinerário sabendo que este estava atrás de quem ia e ele fez que estava vindo portanto não seria a pessoa que interessava ao da montaria que mesmo assim perguntou estranhando o moço a pé.

- Vem de onde moço?

- Porque quer saber?

Desprovido de paciência o bastião apoiou a mão na parabélum e disse com pouca docilidade na voz.

- Só responde o que eu perguntei.

Atento a arma do bastião ele arriscou.

- Venho da vila e estou bem uma meia hora andando, vindo da procura de uma cachoeira aqui perto que não encontrei e agora tenho que voltar para não ser pego pela noite, pois como vê, estou a pé.

Convencido da resposta e afrouxando a guarda o Bastião fez outra pergunta:

- Acaso não viu passar um sujeito com roupas de mendigo, de barba e um chapéu velho e molambento por aqui?

Lembrando-se de um lugar descaído que havia visto um pouco antes daquele trecho do caminho, as ideias maquinadas do salafrário rapidamente funcionaram contra o despreparado Bastião.

- Eu estou lembrando um andarilho desse jeito carregado de coisas e ele entrou num estranho lugar que nem eu entendi, mas isso foi lá pra trás.

- Pode me levar até lá? Se anoitecer eu te deixo na vila com meu burro.

- Bom sendo assim posso-te "ajudar".

Gastou pouco tempo para que chegassem ao lugar onde o charlatão preparou uma cena que deixou o Bastião de pé e mão amarrado. Ele mostrou uma abertura num canto de pasto que no começo parecia uma passagem, mas conforme descia ia ficando cada vez mais difícil parar em pé, e o pilantra falou:

- Eu vi quando o moço do jeito que o senhor procurava desceu por ali carregando um saco nas costas.

O Bastião deu uma olhada no lugar e falou:

- ali, mas é um lugar descaído demais, eu acho nem tatu calçado de chuteira consegue para em pé nessa fenda.

- Bem, foi por ali que ele foi e se demorar a ir atrás dele estará cada vez mais longe.

- O bastião coçou a cabeça e quase não aventurava mas quando lembrou do dinheiro decidiu rápido e propôs:

- vamos fazer o seguinte, você me espera aqui que eu vou até lá e quando eu voltar, te deixo na vila certo?

- Certo. Concorda o outro, com os olhos brilhando em direção ao burro.

O bastião foi descendo, descendo esbarrou num espinheiro arranhando-se todo e continuou e foi vendo que cada vez que descia o lugar só ia afunilando. Parou um pouco e pensou após perder alguns minutos, entendendo o quanto tinha sido IDIOTA.

- Caramba, ninguém anda por esses lados a pé, e aquele sujeito foi o que pilhou a idiota da minha mulher.

Gastou para voltar tempo suficiente para chegar na parte superior da estrada e ver que o larápio e o burro desapareceram deixando-o a pé no lugar perto de escurecer e deu alguns tiros pro ar com muita raiva sem poder fazer nada.

Uma hora depois, chega o Bastião em casa e quando o vê a mulher fica receosa de ele ralhar com ela e pergunta:

- Cadê seu burro Bastião? Achou o homem?

Sem querer dar o braço a torcer e mostrar pra mulher que foi também passado para trás disse:

- Sabe Maria, você tinha razão, encontrei com o moço e já fui vendo nele um pobre coitado e tratei de lhe ceder minha montaria num ato de caridade.

Silenciosa a mulher que sabia que o Bastião nunca deu nada pra ninguém, imaginou o que aconteceu e sumiu pra dentro de casa, entendendo que aquele assunto não seria mais lembrado.

REEDITADO

Pacomolina
Enviado por Pacomolina em 15/05/2014
Reeditado em 16/05/2014
Código do texto: T4807894
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