Tempos difíceis

- Nós já estamos fechando – informou o dono do bar. Já fazia algumas horas que José estava sentado em frente ao balcão. Ao que consta em sua conta, ele deveria ter tomado umas cinco ou seis doses duplas antes de apagar por completo. Era um homem bastante resistente, mas chega uma hora – e ela chega -, que a pessoa já não aguenta mais. Não é como se você fosse uma máquina e, com um tempo, parasse de funcionar, entende? Não é assim que funciona. Você não para de uma vez. Você se acaba aos poucos. Tão lentamente que você nem se da conta, e quando percebe o que está acontecendo, a morte já está lhe estendendo a mão – e não sobra mais nada.

Para José, entretanto, não era só o problema com bebida. Na verdade, a bebida era um meio de fugir dos problemas reais. Como as pessoas se enganam! O álcool pode apagar sua memória – e ela apaga. Mas isso é coisa que passa. Sempre passa, a não ser que você nunca pare de beber – mas aí eu diria que você teria problemas maiores para se preocupar.

O caso singularmente intrigante de José se baseava na perspectiva de uma vida arruinada. Sem caminho para seguir. Seu talhe tendia à corpulência e seu porte desgostoso e maltrapilho lhe fornecia uma aparência digna de pena. Seus olhos castanhos, sem vida. A barba crescia em tufos acinzentados e desalinhados tal qual uma bola de pelos expelida por um gato de rua. Qualquer pessoa teria asserção em dizer que José estava na casa dos 50 e poucos anos.

Não estava.

Na verdade, José não tinha mais que seus 35 anos. Era jovem. Conquistou um sucesso precoce e o perdeu com a mesma rapidez. Sua mulher o deixou. Seus carros foram levados. Não sobrou quase nada. No bar a divida crescia tanto quanto sua barba.

De volta para casa, José tentou entrar na frente de um carro – que se dane tudo isso! Pensou com seus botões. A tarde estava fria e o sol se escondia envergonhadamente atrás de espumosas nuvens. Não teve tempo de pensar duas vezes. Entrou na frente do carro e esticou os braços como se dissesse ao mundo: “eu desisto”. No entanto, quis a sorte que não fosse aquele o dia em que José partiria para um pós-vida, ou algo parecido.

O que eu posso dizer sobre José é que ele foi internado numa clinica de reabilitação. Passou algum tempo lá. Parecia melhor. Já havia ganhado algumas tirinhas de peso e quando lhe perguntaram, ele respondeu que não. Não tinha mais vontade de se jogar na frente de um carro.

O que José não esperava encontrar quando chegasse a sua casa, porém, o levou, para não dizer o mínimo, a um segundo distúrbio mental. Uma pilha de contas, cobranças. Uma intimação do juiz por falta de pensão e tudo que um homem precisa depois de passar algum tempo sendo alimentado com comida enlatada e se enchendo de entorpecentes prescritos.

José não entrou mais na frente de um carro. Nem de um ônibus. Caminhão nem pensar. Não sobrou muita coisa de toda a riqueza que antes o pertenceu, é verdade. Mas ainda havia uma cobertura num prédio de 12 andares.

Jeferson Seyfried
Enviado por Jeferson Seyfried em 12/05/2014
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