AGORA, PRONTO!

— Cês acha que eu inzagero nas minhas istórias, mais é que aqui acontece cada coisa! As veis é dificir mesmo de acreditá. Prezempro, isso qui aconteceu na sumana passada, com o o Zé Caoio e o Mané Cegueta, é coisa das arábia.

— Uai, cumo foi o acontecido, cumpadre Manduca?

— Cê num sôbe?

— Não. Tava em Teófilo Otoni, fui negociá umas pedrinha. Mas, conta aí, que foi?

— Pois, home, veja só. Cê sabe o Zé Caoio? Ele é doido pra pescá no meio do rio, num fica satisfeito em pescá no barranco. Tem que sê no meio do rio.

— É, sei dessa mania do Zé. Mais num tem nada de mais, uai!

— Mais desta vez ele izagerou. Cê sabe que ele num dispensa um companheiro.

— É, ele nunca fica sozinho naquela canoa istreita. A bicha balança que até dá injôo. Já passei cum ele argumas tarde. Ele leva uma vantage. Num perde uma isca. Toda vez que ele joga a linha, pega um bagre, um cará, pacu. O que mordê o anzol, ta fisgado.

— Pois é. Num sabe ocê que na segunda-feira, deu na testa do Zé Caoio de ir pescá. Nóis tinha justamente acabado de chegá lá do rio Turvo, ninguém tava a fim de ir berá corgo. Chama um, chama outro, ninguém quis. Aí ele falou com o Mané Cegueta, pra mode ir com ele.

— O Cegueta e o Caoio, juntos?

— Dito e feito. Cê cridita que o Mané Cegueta foi com o Caoio?

— Mais o Cegueta nunca foi de pescaria. Ele era bão de nadá, antes de fica compretamente cego. Mas nunca pescou.

— Lá foro os dois. O que aconteceu, o Zé Caoio me contou. Quase morreram, os dois.

— Cumo foi?

— Eles cumbinaram o seguinte: o Mané Cegueta ia pra fazê companhia. Tinha só que ajudá o Caoio quando eles vortasse. O Cegueta tinha que pular dentro do rio, perto da marge, com a corda na mão e puxá o barco para a prainha.

— Que perigo!

— Eles combinaram assim. O Caoio ia remando e quando chegasse perto da marge, na hora que desse pé, ele ia gritá “Agora, pronto!”. Intão, o Cegueta pulava na água, com a corda na mão, e puxava o barco.

— O Zé Caoio tem mesmo a mania de gritar “Agora, pronto!” pra tudo quanto é situação.

— Pois é, cê sabe das mania do Caoio. Cheio de tretas. Coisas que só ele mesmo...

— ”Agora, pronto!” É isso mesmo, ele fala assim toda hora. Mais intão, num deu certo o arranjo?

— Deu e num deu. Num vê ocê que eles já tava vortando do pesquero, mas ainda no meio do rio. Caoio remando e Cegueta esperando a ordem pra pular na água e arrastá o barco pra beira da prainha. Puis não vê que, naquela hora, um marimbondo cavalo, daqueles que ferroa pra valê, bateu no Caoio. Bateu e ferrou.

— Êta mundo! Já fui picado de marimbondo cavalo. Dói mais que queimadura de taturana bezerra.

— Intão, o marimbondo veio e plaft! Deu uma topada na cara do Caoio. Mió dizendo: bateu de frente no único oio bão do Zéca. E lascou aquela murdida. Ele levantou de repente da canoa, levou a mão no oio. Na mesma hora, ficou sem ver nada. E gritou, como custuma fazer sempre: “Agora, pronto!”

— Puxa vida!

— Aí, o Mane Cegueta, que num via nada, nem pudia, quando escuitou o “Agora Pronto!” se jogou nágua. No meio do rio.

— Minha Nossa Sinhora!

— Puis é. Sorte que o Mané é um bom nadador. Quando viu que num dava pé, saiu nadando. Na direção da marge. Mais, no susto, largou a corda da canoa.

— Virge!

— Na canoa, o Zé gritava de dor. A correnteza arrastando a canoa rio abaixo.

— Putamerda! E aí, cumpadre?

— A sorte do Caioio foi que mais imbaixo passa a barcaça, cê sabe, aquela que vai duma banda pra outra do rio. Ela tava mesmo no meio do rio. O pessoal ouviu os berro de dor. Viro a canoa, disgovernada, e ficaro atento. Quando ela passou por perto, jogaram umas câmara de ar, engancharam a canoa, puxaram o Caioio pra cima da barcaça.

— Arre, cumpadre! Que istória!

— Pois é. Graças a Deus, se sarvaram todos. Mas quando conto assim, no meio do pessoar, tem gente que acha que tou inventando.

— Ih! Oia quem tá chegando! Falou no coisaruim...

— Tardes, gente! Tarde, Manduca! Intão, contando mais uma das suas pro pessoar?

— Tarde, Zé Caoio. Chegou quem num tava fartando.

— Agora, pronto! Pode continuá na sua presepeira.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 01.10.2002

Conto # 181 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 29/04/2014
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