O CAFÉ DOS BÓRGIAS

— Vamos lá em Jacuí comprar uma mudas de jabuticabeiras ?

O convite feito assim, às pressas, pegou de surpresa Paulinho , que já tinha uns planos para aquele sábado ensolarado. Mas visitar a Fazenda do Estado em Jacuí e adquirir algumas mudas de árvores frutíferas era também uma boa maneira (aliás, unia o útil ao agradável) de passar o sábado.

— Vamos sim, Amaral. Deixa só eu trocar de roupa e calçar as botinas.

E partiram no velho jipe do Amaral. Bom companheiro, boa prosa, causos sem fim, o Amaral estava sempre andando pra lá e pra cá, entre fazendas e sítios do município. Ele mesmo era proprietário de uma chácara próxima à cidade, uns dez alqueires que começavam nos fundos do campo do Operário Futebol Clube e subiam até o alto do Morro Vermelho.

— Aproveito pra comprar também umas plantas. Estou precisando cortar uns pés de mexericas ponkã que já estão com mais de dez anos, não produzem mais nada. Posso trazê—las aí no seu jipe, Amaral ?

— Claro, não vou comprar muita coisa .Lá tem umas mudas especiais de laranjas, mexericas.

Pelas estradas vicinais, comendo poeira, seguiram os dois amigos, companheiros de noites inesquecíveis, caçadas perigosas, pescarias memoráveis.

— Ei, por que não aproveitamos e fazemos uma visita pro Tião Bórgia? Ainda é cedo, temos a tarde toda pra frente, dá tempo. Ele mora bem perto da igreja.

Animado pela lembrança, Amaral foi fazendo o jipe circular a pracinha e parando em frente à casa do amigo que há tempos não via.

— Cê que sabe. Olha que ele gosta de muita conversa, quando começa com seus causos, é difícil de parar.

Duas buzinadas curtas e freava o jipe, anunciando a chegada. Logo na porta, apareceu o Tião, cara de surpresa que se transformou num sorriso largo.

— Uai, gente, óia quem tá aqui ! Paulinho ! Amaral ! Vão descendo, gente, vão chegando !

Abraços apertados, mãos batendo nos ombros, agitando poeira.

— Quanto tempo, hein ? Desde aquela viagem no Rio Verde, faz mais de cinco anos ! Mas vamos entrando, fiquem à vontade. – animado Tião Bórgia encaminha os amigos para a sala e grita para o interior da casa:

— Manhê, óia só quem tá aqui, meus amigos de Guaranésia, o Amaral e o Paulinho !

Surge dona Emerenciana, magra, alta, o rosto emoldurado por lenço que lhe esconde os cabelos, saia comprida arrastando no chão, avental limpo, no qual enxuga as mãos.

— Prazer. Emerenciana.

— Muito prazer, sou Paulinho . — Apertam-se as mãos D.Emerenciana e o visitante.

— Este aqui é o Amaral — Todo sorrisos apresenta Tião o amigo.

— Prazer, D. Emerenciana. A gente ia passando, lembrei de ver o amigo aqui. Faz tempo, hein?

— Mãe, prepara um café pros amigos.

— Agora mesmo — Retira-se D. Emenciana prometendo um cafezinho passado na hora.

Animados, os três se põem a conversar. Assunto é o que não falta. Coisas de agora, cada qual contando o que está fazendo. Coisas do futuro, os planos e sonhos dos três, e as recordações. Ah! Quando começam a relembrar as caçadas, pescarias, viagens que juntos fizeram, não param mais.

Depois de mais de hora de conversa, vem a primeira tentativa de despedida.

— Bem, Tião, a conversa tá boa, mas temos que ir — Amaral levanta-se.

— Que é isso, sô ! A mãe tá passando o café, espera aí.

Amaral senta-se, e a conversa volta a se animar. Uma hora depois, é Paulinho que se levanta:

— Bom, Amaral, acho que tá na hora de a gente se mandar. Tião, o café fica pra próxima...

— Ora, ceis já esperaram até agora, num demora vem o cafezinho que a mãe tá passando. É já-já.

Paulinho assenta-se e voltam os causos, as lorotas, etc. Mais uma hora se passa.

— Bem, Tião, temos mesmo que ir. Vamos até a Fazenda do Estado, estamos aqui só de passagem, já tá ficando tarde e temos ainda que...

— Não, não, não. Vocês não vão sem tomar o cafezinho que a mãe tá passando. Seria até um desaforo !

As coisas assim colocadas, ficou difícil para Amaral e Paulinho saírem sem tomar o café de Dona Emerenciana. Sentaram-se de novo e nova rodada de conversa animada seguiu-se.

Uma hora depois:

— Bem, Tião, agora tempos que ir — levanta-se Amaral, decidido a partir. — A gente passou aqui só de passagem, agora já está escurecendo, outro dia voltamos para continuarmos a conversa.

Desta vez, conseguiram se despedir. Ainda sob protestos de Tião Bórgia, insistindo em que esperassem o café de Dona Emerenciana.

— Bem, agora não dá mais pra ir na Fazenda do Estado, já está de noite — Amaral dirige o jipe voltando para a estrada .

— De qualquer forma, passamos uns bons momentos – comenta sarcástico Paulinho — Outra vez voltamos para tomar o café dos Bórgias.

O acontecido causo foi contado na roda de amigos de Paulinho e Amaral. Criou fama, virou lenda. Assim, toda vez que uma situação não evoluía, uma pendência demorava-se na solução, vinha o conselho:

— Espera o cafezinho dos Bórgias!

ANTONIO ROQUE GOBBO

BELO HORIZONTE, 05.FEV.2000

CONTO # 100 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 29/03/2014
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