Comendo Uma Viúva

Vitória, Espírito Santo. Década de 60. O gerente de uma madeireira comprava árvores de jacarandá. Na região o jacarandá-da-baía era uma das mais valorizadas madeiras brasileiras. Árvore de 15 a 25 metros de altura, com tronco 40–80 cm de diâmetro, madeira rija, resistente e de cor negra, com desenhos variados, fácil de ser trabalhada. Foi muito utilizada em obras de marcenaria de luxo, construção de instrumentos de corda e na fabricação de pianos. Existia em abundância nas florestas da mata atlântica, e desde a fase colonial houve sua exploração. Hoje é uma das espécies em extinção.

Seo João, o gerente da madeireira estava interessado em comprar um lote de árvores de jacarandá localizadas no sul da Bahia. Seu comprador Adolpho, com “ph” no nome, não obtivera êxito na negociação com Euclides, o proprietário das árvores, uma mistura de português, negro e índio nativo.

Seo João avisou que ele iria falar com o proprietário. Adolpho alertou:

- o Senhor Euclides é meio sistemático Seo João, aceita discutir a proposta com o senhor, mas você tem que almoçar com ele. E já vou avisando Seo João que a comida não é uma das qualidades naquele rincão! Vá preparado!

Dia marcado foram Seo João e Adolpho para o sul da Bahia. Estrada de chão, calor típico de verão e sol escaldante. Um pouco antes do almoço chegaram na propriedade, após os cumprimentos formais ficaram na varanda batendo papo sobre diversos assuntos. O cheiro que vinha da cozinha não lhe agradava, era um cheiro forte que Seo João não conseguia distinguir.

A esposa do Senhor Euclides chamou-os para almoçar. Na mesa uma panela de sopa. O cheiro que ele sentia da varanda agora era mais forte, e vinha da panela, da sopa. O cheiro lhe incomodava cada vez mais.

Seu Euclides falou:

- espero que aprecie a nossa sopa Seo João, aqui chamamos este prato de “Sopa da Viúva”, conhece?

- Não, não conheço, mas tá com uma cara boa! Falou Seo João.

O cheiro invadia suas narinas e seu estômago começava a ficar embrulhado. Além da sopa, na mesa como acompanhamento só farinha de mandioca e água do rio num pote de barro. E o Adolpho lhe havia prevenido que água era do rio, e que o rio ficava distante da casa.

Seo João observava o prato cheio de “sopa da viúva”. A primeira colherada foi como se jogasse uma bomba no seu estômago. “Sopa da viúva” era feita com tripas de bode e temperos, e só. Um enjoo começou a percorrer seu corpo. Se o cheiro era desagradável, depois que soube que era de tripas de bode a situação piorou. Ficou branco, mais do que já era. Náuseas.

Adolpho lhe estendeu um copo de água para amenizar a situação. Comia lentamente tentando demonstrar para o senhor Euclides que tudo estava bem. Conversava. Sorria. Sorriso falso. O enjoo lhe entorpecendo as ideias, o suor rompendo a face. O calor ajudava em muito a piorar a situação.

Seo João comia uma colher de sopa de bode, uma de farinha e um gole de água. Uma colherada de “sopa de viúva”, inspirava um pouco do cheiro desagradável e uma colherada de farinha de mandioca e um gole de água. Sorriu de repente por ter descoberto a origem do nome da sopa, sopa da viúva, e pensou na sua esposa que ficara no sul do país, eles tinham recém-casados quando aceitou a proposta de gerenciar a madeireira no Espírito Santo. O estômago reclamava.

A tortura do almoço se prolongava em cada colherada. Engolia a sopa, e empurrava a farinha com um gole de água, limpava o suor, inspirava um pouco de cheiro desagradável. Falava algumas palavras. Sorria. Uma colherada de farinha, uma de sopa e um gole de água. Perdeu-se na sequencia e ordem dos produtos ingeridos.

- aceita mais um prato Seo João? Perguntou a esposa do senhor Euclides.

Queria as árvores de jacarandá. Pensou na esposa. A esposa do senhor Euclides com a concha cheia esperando o aceite. Aceitou. O que fazer para fechar um negócio. Uma colherada de cheiro insuportável, um gole de farinha, inspirava a sopa da viúva. Uma colher de bode, uma farinha de tripa, um gole de cheiro insuportável. Seus pensamentos voavam longe.

Terminou o prato de sopa de viúva, feito com tripa de bode. Cheiro insuportável, desagradável, horrível. O almoço terminou, não tinha sobremesa para tirar o gosto amargo da boca. Voltaram para a varanda, a brisa apesar de quente refrescou a cabeça e as ideias. O estômago continuava embrulhado. Mais alguns minutos de conversa entraram na questão das árvores de jacarandá. Não deu cinco minutos o negócio estava fechado e Seu João e Adolpho deixaram a propriedade retornando para o Espírito Santo.

Na viagem de retorno Seo João pensou em voz alta: - ainda bem que não ofereceram uma pinguinha para abrir o apetite antes do almoço, né Adolpho!

Causo do Dr. João Candido

Juvenal Tiodoro
Enviado por Juvenal Tiodoro em 18/03/2014
Código do texto: T4733469
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