FEIJÃO COM CARNE

Quando trabalhava em uma concessionária de Energia Elétrica, fazia parte da equipe de emergência. Em duplas, cuidávamos de nossa cidade e varias outras da região. Tanto a parte urbana como a rural no período noturno.

Em uma noite muito chuvosa, fomos acionados pela central para um evento na zona rural, após meu parceiro pegar todos os dados, pegamos o mapa estudamos e chegamos à seguinte conclusão: Era muito longe, com uma estrada muito ruim, alem de ser PARTICULAR, o que transferia a responsabilidade de manutenção para o proprietário.

Passamos as informações para a central, pedindo o cancelamento daquela ordem de serviço, sendo recusada por estarem sem o SISTEMA.

Preparamos a camionete 4x4 traçada e nova, e nos dirigimos para a fazenda, apesar de ser ótima, era muito pesada e baixa, portanto quando batia o peito no solo, ela ficava suspensa, descíamos e calçávamos as rodas e saiamos molhados e sujos.

Eu gostava muito destes eventos, ganhava relativamente bem, tinha muita aventura, carro bom, me sentia o rei do rally. Todas as provas realizadas deste esporte eram durante o dia, e as nossas durante a noite, com muito mais adrenalina, sem apoio, sem planejamento preliminar e com tempo para cumprir. Quando utilizávamos as F350, com cinco toneladas e sem tração, ai sim éramos os Deuses dos rallys.

Chegamos ao local e concluímos que realmente era PARTICULAR, neste local não pegava radio nem celular, portanto todas as decisões seriam nossas.

Enquanto observávamos, embaixo de uma chuva forte, o caseiro da fazenda sai ate o alpendre nos saúda e nos convida:

- Bas noite! Muitos problemas?

- Noite! Hoje esta muito difícil. Respondi enquanto meu parceiro reclamava de um pingo de chuva dentro do olho.

- Chega pra dentro, pra modi fugir da chuva.

Entramos na casa simples, fogão de lenha no canto aceso, exalava um cheiro muito bom de comida, do outro lado o quarto e no fundo o banheiro.

-Abanquem, já falei pro patrão arrumar, mais ele é muito pão duro, já falei que num dianta ligar, cêis nunca vem, cêis devem ser novos, os véios nunca vêm.

- La na central que devem ser novos, nos mandaram vir mesmo sabendo que é PARTICULAR.

- Cêis tão tudo moiado, toma uma pinguinha pra modi esquentar.

Apesar do calor do fogão, estávamos molhados e com muito frio e naquele momento, ate xixi de vaca eu tomaria para esquentar.

Malandro véio, muitos anos de emergência, muitos atendimentos rurais, conhecedor da simplicidade e cortesia do homem do campo, logo após o caseiro servir nossas pingas, disparei paro o meu parceiro:

- Cuidado com a pinga, você esta dirigindo e esta sem comer nada o dia todo, não vai ficar bêbado. Com certeza, seu Zé nos ofereceria algo para comer.

- Mas óia! Fiz uma carne com feijão inda agorinha, ta boa dimais, pega ali nu fogão, vou ajeitar us trem pro cêis comer.

- Muito agradecido, mas não precisa se incomodar, outra hora a gente come.

- Di jeito ninhum! Cêis bebi a pinguinha e come um cadinho, é simples mais ta gostoso.

- Feijão com carne, nunca vi...

- É simples:

- Nun cardeirão fundo, coloque a banha de porco, o aio, cebola e loro, corte a ponta di peito du tamanho que cêis quiser, tempere com sar, pimenta e limão china, frite na banha, ate ficar doradinha, ponha um tanto bom de feijão e deixe cozinhar por uma hora, colocando mais água todo tempo pra modi num fica seca.

- Tomei três pingas, comi duas pratadas, nisso a chuva amainou. Antes de ir embora consertamos o defeito, era o mínimo que podíamos fazer pela hospitalidade, não registramos o serviço e voltamos pra casa.

Já fiz na panela de pressão, com ponta de peito, com fraudinha, com pernil, com paleta, ficou muito bom, mas nunca ficou igual a do seu Zé, fartô argo.

Cesão
Enviado por Cesão em 16/03/2014
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