Zuzu
Não parece com nada não lembra ninguém. Era assim por se dizer, fraca de força e de pensamento. Cabelo muito em fiapos, cor de burro quando foge. Cara de saudade, de quem quase morre de saudade e sua expressão mais significativa era quando comia frutas mui amargas, que de tanto enrrugar a pele, ficava assim, pouco mais agradável. Mas não sabia disso e comia coisas amarrentas só na época de caqui, que mal esperava amadurecer: gostava daquele jeito.
Em uma coisa era boa: cuspir longe. Todo dia ao acordar, puxava forte toda a sujeira da cidade que ficava nos pulmões e cuspia pela janela e ficava ao olhar se caia em alguém lá embaixo, quando sim, abaixava rápido e gargalhava gostoso.
Sua magreza quase anormal não lhe afligia, não pensava nisso. Na verdade em quase nada pensava quando agia, e agia pouco também, nesse meio tempo, cristalizava-se e vegetava.
Era assim sua vida até que um dia acordou sem mais nenhum dente na boca, sem água na torneira e sem caqui verde na cesta. Era maio e resolveu casar.
Sonhou que era bonita, encorpada e com uma bela dentadura. Levava uma sacola com um espelhinho decorado, um frasco de perfume e três notas enroladas.
Então tratou de amarrar um lenço de bolas na cabeça e saiu, não podia só sonhar.
Andava rápido, mas não sabia aonde ir. As pessoas não olhavam para ela, as pombas sujas no Viaduto do Chá, os cachorros sarnentos, ninguém olhava. Por um instante se achou morta, um fantasma. Porém alguém a puxou forte pelo braço.
- Minha senhora! Vejo que está perdida nessa grandiosa metrópole - abria os braços para ela! Meu Deus! Ele abriu os braços para ela!
- Sim! – respondeu para não cessar o único canal que a tinha trazido da incerteza da vida.
- Pois já não está mais. Venho lhe trazer esse completíssimo guia Sampa, com todos os nomes de ruas e comércios importantes – e tirando da mala o guia, o homem a olhou e deu um passo para trás – mas não pense a senhora que é apenas isso. Não! Nosso guia também tráz uma ampla lista telefônica! Dizia rápido e gesticulando muito.
- Ta! Mas presta de verdade? - E tomou da mão do homem, olhando de ponta cabeça. - Guia Samba?
- Não! Guia de São Paulo! Ok minha senhora, vejo que não sabe ler é nada! Fica pra próxima então. Tornou a pegar seu produto, e logo saiu andando a oferecer para mais passantes do centro.
E ela ficou a olhar quem ia e vinha. Até que seria bem interessante carregar o livro, assim quem sabe chamava a atenção de alguém. Sabia, tinha certeza, que precisa pensar em algo rápido, mas há muito tempo atrás, contara-lhe o pai, -quem não via desde a primeira infância - que ter idéias faz mal, muito mal. E isso aprendeu bem. Logo no primeiro ano de escola, desistira. A mãe não achou ruim, não. E no cortição que morou em sua infância, junto com muitas famílias que era dela também e já não lembrava, desenvolveu um ofício desde pequena: plantar mato. Junto com a mãe, às vezes, ia vender o jornal passado pro Homem do Papel. Mas quando se viu por gente, todos morreram, sobraram parentes que não conhecia, e o barraco número 0.
Zuzu não tinha documento de identidade, e não sabia ao certo quantos anos tinha. Não sabia se existia.
Existia Zuzu?