DO QUE O MEDO É CAPAZ

"A emoção mais forte e mais antiga do homem é o medo, e a espécie mais forte e mais antiga de medo é o medo do desconhecido."
- H.P. Lovecraft
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Era uma noite típica dos cafundós da zona rural. Destacava-se neste pano de fundo feito de trevas, uma lua enorme, que de tão luminosa ofuscava as estrelas que eram incontáveis mais ao longe do clarão lunar.
 

                             
  Os dois primos-irmãos, formavam a melhor dupla sertaneja de toda a grande região circunvizinha aos rios Itararé e Verde.     Vinham eles de volta - após uma cantoria - à colônia da fazenda onde moravam. Estradão de chão batido, onde tinham que percorrer várias léguas. À medida que caminhavam, a estrada ia deixando para trás sítios e outras fazendas, ladeada de mata em ambas as margens, ela ia se estreitando, vez que suas moradas ficavam ao fim desta servidão, não havia outro caminho.
  A lua se filtrava por entre as árvores e galhos, deixando uma profusão de sombras e luz no chão da estrada, rajando-a como pele de um tigre monstruoso. Neste emaranhado de luz e sombra, a vista até se embaralhava, deformando e recriando formas estranhas .
 


                  
Os dois primos cantadores, um para não demonstrar ao outro o medo que sentiam, vinham cantando modas de viola como se nada os perturbasse. Ocorre que por aqueles tempos, onde a região toda era ainda de lugarejos, só os maiores deles tinham ido à comarca, eram correntes as histórias de fantasmas, aparições, a tal mulher de branco da estrada e outras histórias mais. Tudo fruto - hoje sabemos - da falta de informações, além da oralidade e tradição. Baseavam-se no que ouviam de pai para filhos.

                   

  Contudo, tinham que passar ainda lá adiante, por um pequeno e velho cemitério de beira de estrada, com seus túmulos escurecidos ao abandono e cruzes de ferro enferrujadas. Os pios das corujas, faziam o pessoal que por ventura por lá caminhassem á noite - o que raramente ocorria - arrepiar-se de medo. Neste cenário e clima cavalgavam os cantadores.
                 
    De repente, um deles dá um grito rouco de horror. E sem fala, depois de um tempo gaguejando aponta adiante, alertando o outro, que entre luzes e sombras veem quatro pessoas carregando um caixão de defunto.
  O que fora alertado, diz: - Mas não é possível, já passa da meia noite e nesse cemiteriozinho abandonado há décadas não se enterra ninguém, por ordem municipal. Só lá na cidade é que pode, depois de pagar taxa na prefeitura.
  O outro responde, depois de voltar o fôlego: - Mas assombração não quer saber disso... Cruz em credo, Alonso! Vamos voltar daqui, os cavalos estão refugando, falou Josuel. (A dupla levava o nome de Alonso e Josuel).
  Era corrente o ditame, que se cavalo refugasse ir em frente, era coisa de outro mundo. Até moda de viola eles tinham a respeito.
  Que vamos fazer? Pergunta Alonso ao tempo que diz: Mas Josuel, já estamos quase chegando, é só passar a porteira lá adiante. O cemiteriozinho ficava após essa primeira porteira de um sítio da servidão.
- Só se você for sozinho, eu nem morto - diz o primo ao companheiro.
  Nisso, ao verem lá adiante a porteira observam que os quatro que levavam o caixão param.
  Alonso, o menos medroso dos dois, fala para o primo: - Seja o que for: caridade é caridade e deve espantar assombrações.
  Vou acreditar que sejam pessoas muito pobres que não têm dinheiro para pagar taxa lá no município, por isso estão levando o defunto de madrugada para por o de cujus em qualquer túmulo velho... e, não conseguem abrir a porteira por estarem com as mãos ocupadas.
 

                          
Ao se aproximarem mais um pouco, mesmo com os cavalos bufando, o que veem? A luz da lua cheia mais as sombras confusas do claro-escuro incidindo sobre o dorso dos animais,
- criaram com o auxílio da imaginação deturpada pelo medo - a tal aparição.
  Na realidade eram quatro vacas malhadas leiteiras, cujos rabos balouçantes e úberes cheios, deram a impressão aos primos que eram quatro homens levando um caixão. Pararam na porteira pelo óbvio, para as vacas tinha acabado a jornada estradeira.
Aliviados conseguiram dar uns sorrisos amarelos com o comentário de Josuel: - Eu já estava desconfiado de que era isso mesmo primo!
                                               

                                           
Mauro Martins Santos
Enviado por Mauro Martins Santos em 22/02/2014
Reeditado em 02/03/2015
Código do texto: T4701378
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