CAUSOS DO HERMETTO, O MATADOR - O LOBISOMEM DE SÃO GONÇALO

Agradeço a todos que lerem e apreciarem esse conto. Agradeço já de antemão à aqueles que comentarem algo. Todos os comentários são bem-vindos. Positivos ou negativos. Certamente, a opinião dos leitores engrandece as escritas futuras. Obrigado

M DAMER SIMAS

O LOBISOMEM DE SÃO GONÇALO

Era feroz. A cada noite que caia, o terror virava o pai de todas as casas de São Gonçalo. Os rebanhos, que já não eram muitos, acordavam ao raiar do sol, todos subtraídos. A cada contagem faltava um, dois, três e até nove bichos eu ouvi dizer. Uns diziam que não era bicho de Deus, outros davam até nomes estranhos. De perto eu nunca tinha visto uma coisa daquelas. Nem nessas bandas e nem em outras das quais eu andei. Era um baita de um cachorro. Fazia muito perdigueiro sair pianinho quando se cruzavam. Os pelos pareciam de gente, compridos. Logo na primeira tentativa eu tive certeza de cara. Era um lobisomem. Contrariando todas as lendas, aqui, a mãe dele não era a lua cheia. Era a noite

Deixa eu me apresentar. Eu sou Alfredo Hermetto. Eu mato esse tipo de coisa Brasil afora. Não é só no agreste que tem esse tipo de coisa. Todo o país é como um celeiro. Onde tem eu estou lá. Já matei vampiro, prendi saci e até mula sem cabeça eu já matei; agora, um lobisomem sem lua cheia eu nunca tinha visto. Isso era coisa nova para mim. Também não sou muito bem visto pelas autoridades das cidades onde passo. Alguns me chamam de mentiroso, de falsário e etc... Mas uma coisa é certa. Eu mato os bichos e ainda ponho na praça para que toda a população possa ver.

Eu vou encurtar a história. Cheguei a São Gonçalo, na Bahia e o dia era 13, na semana uma sexta-feira e o ano 1766. Tudo indicava que seria a noite perfeita para o bicho surgir e lógico, eu matar ele. Ledo engano. Passei foi a noite na taberna do Joca enchendo a cara de pinga braba, vendo briga de tudo que era lado e sendo ameaçado por moleques arruaceiros que nem um tapa aguentavam levar se começasse uma briga das boas. Ninguém me conhecia a não ser o prefeito, coronel Amilcar de Jesus e talvez o tamanho do revólver que eu mantinha na bancada do bar fosse o que estava afugentando os mais valentes do local. Coronel De Jesus havia escrito uma carta para mim um dia desses. Um pombo correio levou até mim o pedido de socorro. O dia 13 havia passado em branco, mas o sábado 14 era o dia em que eu ia cruza com os olhos vermelhos,

Nada fugia da minha rotina. Passei o dia contando causos de banco em banco da praça para ver se alguma alma inteligente me contava algo que me clareasse as ideias. Óbvio, ninguém disse nada. De todos os moradores, apenas o Padre Patricio tinha notícias. Além, ele tinha teorias, tinha análises, alias, tinha tudo e não tinha nada a não ser por uma mancha de sangue na barra de sua batina branca. Achei um pouco suspeito, mas ele disse que havia derrubado o cálice de vinho enquanto preparava a missa de ontem. Se tiver algo que eu não desprezo são pistas. Posso ter cara de besta, mas que aquilo não era vinho, ah não era e meus olhos ficam sempre bem abertos.

O dia passou, a noite pairava sobre São Gonçalo e lá estava eu no bar. Perguntei ao Joca se ele sabia de algo e para meu espanto sim... Ele não sabia de nada também, óbvio. Pude reparar em seu braço direito. Havia arranhões e quando eu fui questioná-lo sobre como tinha ganhado aquilo ele foi enfático. Caiu bêbado sobre uma cerca de arame farpado. Fiquei espantado, mas naquela noite todos estavam estranhos. Eu já estava quase bêbado quando o cucu marcos 23 e 30 horas e todos levantaram de suas mesas e saíram em disparada. Enquanto me enxotava, Joca disse que se o bicho não havia vindo à noite anterior, hoje ele viria. Era sempre assim. Um dia sim e outro não. Ou dois dias seguidos ou três. Na realidade, seus ataques não tinham padrão nenhum. Aos trópicos fui embora e quando estava na praça pude ver Igreja fechando as portas, delegacia escurecendo e as casa tendo suas lamparinas apagadas. Ninguém queria desafiar o monstro, exceto eu. Um homem além de mim, recostado no canto da igreja chamou a minha atenção. Devia ser um bêbado, assim como eu, mas quando o chamei a resposta veio em alto e bom tom: - Saia daqui forasteiro. A escuridão não é para você. Pensei cá com meus botões. Isso era uma ameaça e de ameaça, Alfredo Hermetto não corria. Pelo contrário, corri foi na direção do sujeito. Já no costado dos degraus da igreja eu me arrependi. Fugiu de mim um homem, estava me encarando um Lobisomem.

Era feroz. Feroz e feio e fedorento e com dente grande e com olho vermelho. De pronto olhei para o céu. A lua era minguante. Botei a mão no meu cinto e saquei meu revólver. Lógico, de arma em punho qualquer homem fica mais forte, mas diante daquele bicho só tive uma escolha. Correr e atirar. Mas correr muito e atirar de qualquer jeito. Se estava acertando? Não tinha mínima ideia. Só tive a certeza de que não quando o monstro pulou nas minhas pernas. Virei rápido como um gato, e sim, essa era literalmente uma briga de cão e gato, e agarrei na goela do bicho com a mão esquerda. Evitar a mordida era o básico, pois se ele triscasse os dentes em mim, amanha seria eu correndo junto atrás de alguém. Com a mão direita eu consegui pegar uma pedra e quase quando tudo estava perdido, sentei o tijolo na fonte do safado. Fiquei foi é me achando quando aquela criatura saiu chorando e correndo, de medo de mim óbvio. Ele não podia esperar, mas ao correr levou foi uma facada na perna traseira. Meu revólver estava sem balas e correr atrás dele não era uma opção, a faca veio bem a calhar, pois no outro dia, seria só prender e matar o safado que estivesse mancando. Seria um plano perfeito se não fosse pelo seguinte: Toda a cidade amanheceu mancando.

Domingo pela metade da cidade arrastava uma perna. Aí foi que vi que a coisa tinha ficado feia de verdade. Se meus livros estivesses certos eu estava era lascado. Quando você fere o Lobisomem pai, os outros protegem sua identidade, ou seja, eu estava era no meio de uma alcateia de Lobisomens. Ir embora sem saber a verdade estava fora de cogitação e se isso fosse uma armadilha para mim, então seria motivo de briga e de uma boa briga Alfredo Hermetto não fugia.

Em todos os cantos da cidade estavam me olhando torto, até o padre bateu com a porta da igreja na minha cara. Tudo bem, não tinha problema, pois meu alvo principal já estava selecionado. Coronel De Jesus.

Ele havia escrito a carta pedindo socorro. Como ele sabia que eu estava por essas bandas? Talvez ele fosse o líder da alcateia. Ao cair da noite nos íamos acertar alguns ponteiros.

Já marcava 23 horas quando eu carregava meu revólver com bala de prata. Ajustei no cinto um facão, também de prata e uma pistola comum para caso algum falastrão viesse interromper o meu ajuste. Era quase meia noite quando um bolo de gente resolveu se aglomerar no entorno da praça comigo no meio dela, degustando uma boa e velha cachaça das brabas. Faltavam dez minutos para a suposta aparição, quando o prefeito tomou coragem e veio até mim e disse:

- Acho sensato, senhor Hermetto, que monte em seu cavalo e vá embora, já que não encontrou nada e ainda por cima esburacou a porta da igreja a tiros.

- Com o perdão, Coronel De Jesus, daqui a uns quinze minutos eu farei isso. Mas antes eu vou terminar a minha pinga. E outra, eu quero a minha faca de volta. Posso até pagar a porta, mas quero a minha faca.

- Que faca? Quem tem uma faca sua por aqui?

- Isso é o que iremos descobrir daqui a pouco senhor prefeito. O mesmo bicho que tentou me morder ontem levou minha faca embora cravada em sua perna. Como tem muita gente mancando por aqui – olhei no relógio – em uns vinte segundos eu vou saber quem está com ela. – Se meu revólver estivesse um pouco mais perto do nariz do prefeito, molhava com o suor que escorria pelo seu nariz. Geralmente quando se mata o líder da alcateia, o resto se destransforma também. Mas um homem culto como o senhor deve saber disso não é?

- Não sei do que está falando meu senhor. Eu manco porque escorreguei no banheiro de minha casa seu louco. Está achando que eu sou o monstro?

- Há se eu acho. E vamos descobrir isso em 5, 4, 3, 2, 1... E!

Nada aconteceu. Nem prefeito, nem padre, nem Joca, nem ninguém virou lobisomem. Agora sim eu estava ferrado. Qualquer sujeito de fora, com uma arma apontada para o nariz do coronel saberia dizer o que eu passei naquele momento. Havia uma cidade inteira querendo o meu couro.

Também não sei se posso dizer que fui salvo naquela hora, mas quando os gritos começaram e o círculo de gente se desfez em correria eu pude ver o bichão que mancava. Isso me deixou tremendamente emocionado, fui salvo por um Lobisomem, ou não.

Ele correu em minha direção, eu apontei a arma. Ele correu mais rápido, eu puxei o gatilho. Ele chegou mais perto, eu fechei os olhos e descarreguei meu trabuco naquele bicho medroso. Era tudo ou nada. Ou eu tinha matado ele ou logo estaria morto e para minha surpresa, quando eu olhei, lá estava ele, pelado, todo esburacado e sem pelos. Oh bala de prata bem boa essa, nunca falha.

Toda a São Gonçalo viu o ocorrido. Todos queriam saber quem era, mas todos ficaram surpresos quando viram. O famoso Lobisomem de São Gonçalo, não era de São Gonçalo. Era um forasteiro, como eu. Um mendigo chato, chamado Ananias que vivia pedindo esmola para tomar pinga com açúcar no bar do Joca. O estranho é que todos os dias em que eu estava lá, esse safado também estava. Só que se o beberrão do Joca tivesse me dito que alguém vivia tomando pinga com açúcar em seu bar, eu teria descoberto mais cedo. Ninguém desconfiava do homem, eu desconfiava de todo mundo e todo mundo estava era bem errado.

Tive que pedir desculpas ao Coronel De Jesus, para o padre, para o Joca, enfim, para toda a cidade, porque não é muito cordial da parte de um forasteiro, vir na cidade dos outros, apontar uma arma na cara do prefeito e ainda por cima deixar a praça cheia de tiros e a porta da igreja também. Pelo menos matei o Lobisomem e não me esqueci de queimar o desgraçado que havia me causado todos os problemas. Se não queimar ele volta, ah se volta.

Problemas resolvidos, parti da cidade, para outras estradas. Eu sabia que meu sossego não duraria muito tempo, então enquanto galopava meu alazão, mais um pombo correio pousou com um pedido de socorro. Li reli e pensei:

Mas afinal, que diabos é um LABATUT?

M Damer Simas
Enviado por M Damer Simas em 16/02/2014
Código do texto: T4693733
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