A VELHA E O JULGAMENTO
“…brigam-se as comadres, descobrem-se as verdades…”
Na primeira metade do século passado, raras eram as cidades do interior que possuíam comarcas. Então o território de cada uma era de uma enorme abrangência. Se hoje, com todos os recursos que temos, o Poder Judiciário encontra dificuldades para agilizar o julgamento dos processos, imaginem como era naquela época? O que fazer para resolver tudo com sabedoria para não ter que mexer com as teias da Lei. Os delegados, com muita criatividade, trabalhavam nos acordos e, quando não se chegava a bom termo, resolvia no grito. Podia não ser bom para ambas as partes mas pelo menos encerrava a pendenga.
Na semana passada recebi de meu compadre Vanderlei Fonnoff, um Email com um “causo” que era freqüentemente lembrado em festas de casamento e velórios...
D. Minervina, como era conhecida, era uma das infinitas moradoras do sertão e como as tantas outras, era inteligente e usava esse quesito para, com golpes de astúcia, levar vantagens sobre os demais. O delegado já a conhecia por queixas de ter aumentado a área de sua propriedade na base do “focinho de porco”. As derrubadas dela nunca esperavam as primeiras chuvas de Setembro para serem queimadas. A favor dela havia sempre uma tal de “combustão espontânea” e quando as primeiras chuvas chegavam, já estava com as terra prontas para plantar. Rês ou porcos que escapassem e fugissem para sua fazenda, o faziam apenas com visto de entrada. E o Delegado, num esforço homérico, sempre dava um jeito de resolver na base do: “...fica o dito pelo não dito e pronto.”
Certa feita ela resolveu comprar um retalho de sítio, cujo dono tinha recebido em herança. Terras de pouco valor, mas para ela era importante porque “endireitava” sua divisa. O proprietário mais três filhos que ali viviam, cada um em suas casas, astuto como todos, endureceu o jogo e queria pelas terras quatro vezes mais que ela tinha oferecido. Impasse. Até que numa tarde de “ventão” e “calorzão” de agosto, enquanto a família roçava uma restinga rio abaixo para fazer uma rocinha de milho, os ranchos sofreram o fenômeno de “combustão espontânea”. É certo que D. Minervina era a principal suspeita. Os prejudicados “deram parte”. Dessa vez o Delegado mudou de estratégia e o inquérito foi instaurado. Várias testemunhas de acusação e defesa foram arroladas...
Chegou o dia do julgamento. Coisa rara aliás. A fazendeira arranjou lá um “adevogadinho de calças curtas” porque esse cobrava mais barato. A outra parte contratou um experiente advogado que era compadre do chefe da família vítima, afim de ajudar na acusação. A postos defesa e acusação, na figura do compadre solidário, Promotor e como não podia faltar, o Juiz de direito.
O Juiz deu a palavra ao advogado de acusação. Este iniciou com uma pergunta destinada a Ré: “A senhora me conhece?” Conheço! O Senhor é filho da comadre “Brolina”, aquela que falavam dela com o Dr. Pedro, médico que morava em sua esquina. As más línguas afirmam sem medo de errar que na verdade senhor é filho dele. Que só se formou porque teve seus estudos custeados pelo próprio. Falam ainda que o senhor pega causas bem baratas e depois recebe por fora do outro lado da demanda... O advogado protestou e o Juiz acatou o protesto. Com a palavra o Promotor: Este não acreditando na performance da ré, mandou ver: ... E eu! A senhora conhece? Claro que conheço. Veio para esta cidade ainda jovem e namorava todas as menininhas. Era bonito, mas não tinha o menor respeito. Namorava escandalosamente bolinando as moças. Chegavam dizer que se peito de moça fosse buzina ninguém dormia a menos de cem metro da praça, tamanho o ruído provocado pelos seus colóquios. Mas o senhor ainda é muito conhecido e respeitado pela participação no aumento de nossa população. Que tem filhos bastardos com quase todas as empregadas domésticas de sua casa, não deixando de fora vizinhas que tenham interesse na mesma causa... Outro protesto, acatado prontamente pelo Juiz que fez uma forte e segura advertência: “ SE ALGUEM PERGUNTAR A ESTA SENHORA SE ELA ME CONHECE, MANDO PRENDER TODO MUNDO!!!
Todas as testemunhas foram argüidas com muita cautela, que responderam tudo com mais cautela ainda...
D. Minervina foi absolvida por absoluta falta de provas... (oldack/07/02/014).