O CARRO DE CHASSIS DE BORRACHA
O CARRO DE CHASSIS DE BORRACHA
"Seu" João Quebra Queixo estava no alpendre de sua casa
enrolando o seu cigarro com fumo de Arapiraca, o chamado cigarro pé-duro, a fim de dar umas boas baforadas. Pegou o fumo enrolou e deu uma boa lambida na palha para que grudasse. Acendeu o cigarro com um tição do fogo da cozinha, que mandara trazer, e deu umas duas baforadas. A fumaça era forte. Só cabra macho aguenta fumar um pé-duro. Cabrinha fraco começa logo a tossir. Já na segunda baforada veio à sua mente o inverno que estava demorando a chegar. Já era dezembro. Mas ele havia sabido que estava chovendo para as bandas do Maranhão e do Piauí. E chuva naquelas paragens era certo para um bom inverno no Ceará. Pensou. Vou lá. Peço emprestado o Dodge do coronel Zé Ferreira e vou ter certeza dessas chuvas. No dia seguinte foi à casa do coronel e contou o seu plano. O coronel, que tinha interesse, logo aquiesceu e ainda mandou que o motorista Pedro Pelado e o ajudante Chico Pé de Pato fossem com ele. As estradas ainda eram de barro e tinham muitos catabilhos ou camaleões, como se chama popularmente. O motorista Pedro Pelado tinha o pé de aço e tirava tudo por cima. Bom, prepararam galinha assada colocaram em latas com farofa, mandaram assar carne seca e partiram no dia seguinte.
Pedro Pelado, o motorista apertou o acelerador, mas de uma maneira mais ou menos leve, cerca de 40 milhas (todos os carros eram americanos e a velocidade medida em milha). Equivalia mais ou menos a 60km por hora. Geme aqui, geme acolá e lá se vão. Com alguns dias chegam a Parnaíba. "Seu" João viu que estava chovendo desde a Serra Grande e à proporção que adentravam no Piauí as chuvas iam se amiudando. Passaram por Caxias, Bacabal e foram até Timom. Tudo chovido. Igarapés cheios, carros atolados nas estradas. Então "seu" João resolveu voltar. Mas na volta a chuvarada aumentou e seu João com medo de atoleiros mandou que Pedro Pelado botasse o pé na tábua. Ora, era o que Pedro Pelado queria. Tanto gostava de correr no carro, como estava cansado da viagem e queria chegar mais cedo em Itapipoca ..Empurrou o pé no acelerador que o Dodge gemeu e parecia que ia voar. Atochou e sustentou em 70 milhas, puxa, cerca de 120km por hora numa estrada de barro esburacada. Chegaram a Parnaíba e o Dogde velho parecia voar. Numa das curvas, a velocidade era tamanha que "seu" João, numa curva fechada, viu a placa traseira do Dodge amarela com números pretos (naquela época a cor era essa) 2574. Ah, amanhã vou jogar no porco na cabeça e nesta milhar.
Bom,com a velocidade que era muita chegaram em Itapipoca em 1 dia, com minutos contados no relógio de algibeira de "seu" João. Vararam cerca de 300km rapidamente. Nestas alturas, como sempre, o pátio do mercado já estava cheio de ouvintes e salta do meio deles o Zé Capote, que não perdia uma estoria de "seu" João e perguntou:
_"Seu" João como foi que o senhor viu esta placa. Que caminhão era esse que envergou?
"Seu" João esbugalhou os olhos, que ficaram do tamanho dos faróis do carro e gritou dando um pulo fenomenal.
-Zé Capote, cabra fila da puta, tu sempre te mete nas minhas estórias, dando a entender que é mentira. Cabra, os carros americanos daquele tempo tinham o chassis de borracha, pois estavam em guerra e os carros dobravam. Desta vez não escapas, em vez de arrancar o gogó da tua goela, vou te capar com a minha faca lambedeira, para que comeces a falar fino e respeitar cidadão de bem e que fala a verdade.
Como todos já esperavam a reação de "seu" João ficaram entre ele e o Zé capote e evitaram a castração. O pobre do Zé ficou mais branco do que capulho de algodão.
"Seu" João diz que a estória é verdadeira e passou-se em 1940, em plena II Guerra Mundial.
Como sempre faço dedicatória, talvez a última, dedico este pobre conto do
caboclo nordestino a todos os poetas, poetisas e escritores do Recanto. Fiquem com Deus. "É tarde,já vou indo preciso ir embora, . Até amanhã. Mamãe, quando eu saí disse assim: meu filho não demora, em Jaçanã...Se eu demora mamãezinha fica a me esperar, pra me castigar...Tá doido moço, não faça isso não, vou-me embora, vou-me embora nesta escuridão, quem anda com Deus não tem medo de assombração e eu ando com Jesus Cristo no meu coração" (Luís Vieira).