O Homem das Rosas

No pior dia de minha vida, conheci um certo sábio que mudou minha vida para sempre. Por motivos que agora não vêm ao caso, eu estava prestes a cometer um crime. Fui abordado no meio da rua por aquela estranha figura, vestida de modo simples, que com uma rosa branca nas mãos em oferecimento, me falou durante um longo tempo sobre o amor e o perdão. Sua voz era tranquila, mas falava com a autoridade e a convicção de quem realmente vive aquilo que prega.

Pela primeira vez, senti confiança em um total estranho e abri meu coração. Ele me ouviu com toda calma enquanto olhava em meus olhos e era como se enxergasse a essência de minha alma. Quando o conheci, ele já estava velho e doente, mas o pouco tempo que pude usufruir de sua presença e ensinamentos foram suficientes para a total transformação de meu ser.

Ele nunca revelou seu verdadeiro nome. Dizia que já há muito tempo havia deixado de usá-lo, para que todos se lembrassem somente de suas palavras. Não importava quem ele era ou de onde vinha. Isso lhe trazia muitos problemas, mas ele não se importava. No entanto, as pessoas acabaram lhe colocando o apelido de “O Homem das Rosas”, já que em suas abordagens, antes de dizer qualquer coisa, oferecia uma bela rosa branca a todos.

Em seus últimos dias estive ao seu lado, e ele me contou resumidamente a sua história. Já acamado, falava com muita dificuldade. Seu medo nos últimos dias era de que sua mensagem fosse esquecida, por isso me pediu para que escrevesse um testemunho de sua história e todos os seus ensinamentos.

Tudo o que me foi repassado, merece ser descrito de maneira mais elaborada e cuidadosa, o que farei posteriormente. Quanto a sua vida, somente em nosso último encontro é que ele falou um pouco de si mesmo e sua trajetória por este mundo. A seguir, transcrevo fielmente suas palavras.

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Ainda jovem, iniciei minha peregrinação. Saí pelo mundo em busca de sabedoria, autoconhecimento, amor e o real sentido da vida. Minha jornada foi árdua.

Visitei cidades distantes à procura de homens sábios e com eles aprendi muito. Entre os homens simples conheci o amor e a caridade. Entre os sábios adquiri quase todo o conhecimento de que precisava. A vida se encarregaria de ensinar o restante. Porém, entre os homens também havia a maldade. Adquiri sabedoria; o amor me fez enxergar a luz, mas o mal deixou em mim um pouco de seu veneno.

Cansei-me do convívio com os homens e busquei refúgio na natureza. E nela encontrei finalmente a paz. Foram dias maravilhosos, de perfeita harmonia, contemplação e muito aprendizado.

Mas depois de certo tempo, senti uma inquietação em meu coração. Era preciso compartilhar minha paz com os homens, meus irmãos. Esta era minha missão; levar a paz aos homens. E a paz seria transmitida através do amor. Não o amor somente em palavras, mas principalmente em atos.

Assim, voltei para a civilização e pratiquei o amor e a caridade. Como símbolo de minha missão, uma rosa branca era oferecida. O branco representa a paz. A rosa porque seus espinhos simbolizam que não se adquire a paz sem que antes se passem por sofrimentos e provações.

Sofri muitas injúrias, fui chamado de louco e tolo. Mas desta vez eu estava preparado; o mal não podia mais me contaminar. Quanto mais eu era desprezado e escarnecido, eu me sentia mais motivado. Crescia dentro de mim a certeza da necessidade de levar a paz a estes corações embrutecidos e fechados. Os homens permaneceram muito tempo nas trevas e agora a luz da verdade parecia ofuscá-los.

Fui persistente. No entanto, o tempo é implacável. Já estou velho, doente e minhas forças diminuem dia após dia. Temo terminar meus dias sem cumprir o meu propósito. O mundo está tomado pela violência e o egoísmo. Aqueles que vieram antes de mim com a mesma missão já foram esquecidos e até este momento, ninguém surgiu para levar adiante a bandeira da paz e do amor.

Finalmente a idade e os tempos de sofrimento e provações cobram seu preço. Estou acometido de uma enfermidade sem cura e a cada dia neste hospital, definho mais e mais. Mesmo doente, ainda pretendo continuar minha missão. Enquanto houver forças, haverá luta, mas não sei se sairei com vida daqui. Apesar de ter a certeza de ter dedicado todos os esforços possíveis, uma imensa tristeza toma conta de mim. Sonhava ver acontecer uma grande transformação na humanidade, o início de uma nova era em que a bondade reinaria no coração dos homens. Parecia tão claro que iam aceitar esta boa nova, no entanto, a estupidez humana é sem medidas. Agora vejo este sonho se transformar em uma utopia de um velho louco e nada mais pode ser feito.

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Quando ele terminou de falar, um longo silêncio tomou conta daquele quarto. Seus olhos estavam marejados de lágrimas. Seu lamento era silencioso. Apesar de tudo, ainda amava os homens.

Naquela mesma noite ele partiu para a eternidade. O enterro aconteceu em uma tarde ensolarada e sem nuvens. Estavam presentes somente o coveiro e uns poucos moradores de rua que haviam sido tocados pela sua mensagem e que gostariam de dar um último adeus. Não houve nenhuma cerimônia especial, todos assistiam calados ao trabalho do coveiro, que foi breve. O caixão desceu e em poucos minutos tudo estava acabado.

Em silêncio, todos voltaram para suas vidas. Parei na saída do cemitério e notei que permaneceu somente um jovem maltrapilho, que depois de longo tempo de cabeça baixa diante da sepultura, enfiou a mão dentro de um velho saco em que carregava seus únicos pertences e retirou algo, que de longe não se podia reconhecer. Depositou o objeto sobre a sepultura, fez uma breve oração e seguiu o seu caminho.

Quando não havia mais ninguém, retornei ao local, dominado pela curiosidade. Qual seria a última homenagem daquele morador de rua sem nenhuma posse? Ao chegar novamente diante da sepultura, meu coração voltou a pulsar de alegria e esperança. Ao pé de uma rústica cruz de madeira fincada na sepultura, estava depositada uma rosa branca.

Jean (Carlos)
Enviado por Jean (Carlos) em 31/01/2014
Reeditado em 31/01/2014
Código do texto: T4673060
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