O LUBISÔME
Eu nunca antes havia acreditado nessa história de lubisôme. Onde já se viu uma pessoa virar um bicho? Mas teve um dia que mudei minha opinião sobre esse assunto. E foi da maneira mais assustadora possível.
Eu costumava caçar no meio do mato só com a companhia do cachorro. Apenas o silêncio era cortado de vez em quando com chilros de pássaros: ora um bem-te-vi, ora um casaca-de-couro, ora a sombra preta de um anum, soltando seu piado agourento.
O povo dizia que tava aparecendo lubisôme por aquelas bandas, que tinha comido uns bichos da vizinhança e, dizem, tinha até roubado uma criança pequena, mas graças às orações da comunidade, apareceu depois, todo sujinho, na casa de onde tinha sido levado. Não se sabe ao certo porque o tal lubisôme tinha devolvido o menino. É claro que eu não tinha medo dessas histórias e do alto de minha arrogância, dizia que até não seria mal encontrar o dito bicho mal-assombrado.
Lá pelas tantas, eu já tinha caminhado um bom par de horas, quando senti um cheiro de chiqueiro insuportável. Ouvi uns roncos descomunais, dando a impressão de que uma vara de porcos vinha em minha direção. Para o meu espanto, avistei um bicho com mais de dois metros de altura, rastejando no mato, acocorado, o corpo totalmente coberto de pelos e estopa. Deu pra ver também um enorme olho no meio da testa e o que pareceu ser uma boca na barriga. Parecia mais com um porco feio. “Adiante é baixinho e nas traseiras é alto”.
A coisa me olhou com curiosidade. Tremi o corpo todo, suando frio. Os pelos do corpo todo ficaram arrupiados. Eu já tava todo cagado nas calças. Mal conseguia me mover. O cachorro estancou e partiu pra cima, arrudiando o bicho, fazendo uma zoada medonha. O monstrengo partiu pra cima de mim. Peguei um facão rabo-de-galo e, não sei como, o golpeei na mão esquerda, abrindo-lhe uma ferida enorme, fazendo o bicho urrar de dor, logo desaparecendo no meio do mato fechado. Tive a impressão de que cheguei a decepar a mão da criatura.
Cheguei na cidade esbaforido, fedendo a merda, todo estropiado. Contei a história no bar que logo se espalhou como um rastilho de pólvora. Fui procurar o padre, porque um negócio daqueles só podia ser coisa do Demo. Encontrei o sacerdote na casa paroquial, meio adoentado. As olheiras denunciavam-lhe seguidas noites mal dormidas. Não queria me receber nem falar no assunto. Visivelmente aborrecido, disse que tudo aquilo não passava de fábulas e histórias de trancoso.
No dia seguinte soube a notícia de que o pároco tinha ido embora bem cedo. Aterrorizado, ouvi alguém dizer que ele tinha sofrido uma fatalidade e que tinha decepado a mão esquerda em um terrível acidente não muito bem esclarecido.