A SARDINHA DO COMANDANTE

Outro dia recebi o telefonema de um amigo que costuma ir pescar lá para as bandas da Represa da Serra da Mesa. O prezado ficou quase uma hora contando as peripécias do seu final-de-semana às voltas com varas, molinete, iscas, embarcação, etc... Não preciso dizer que tive que ouvir aquela sentida ladainha sem interromper o fanfarrão.

Falou da quantidade, do tamanho, da multiplicidade de espécies e, principalmente, da briga com os escamosos para arrancá-los de dentro da tranqüilidade das águas, o que veio corroborar o conceito de “mentiroso” que identifica os pescadores.

Foi então que me lembrei de que tenho uma história para contar e que aconteceu quando eu ainda estava nos idos dos meus cinco ou seis anos de idade, quando morava no Rio de Janeiro, na Praia de Botafogo, bem em frente à estátua do Almirante Tamandaré.

Meu avô ficou preso por causa de uma pescaria! Vejam só se tem cabimento uma coisa dessas! Lembro-me bem do dia em que chegou em casa, todo alegre, com seu uniforme impecavelmente branco. A euforia era em razão de que, como oficial da Marinha fora designado para ir buscar, na Inglaterra, o porta-aviões “Minas Gerais”.

O velho sempre gostou de pescar e, no meio da viagem, de volta, aproveitou para dar uma pescadinha mesmo contrariando os regulamentos da Marinha que proíbem essa prática nos seus navios de guerra.

Bem! O fato é que quando o navio chegou na entrada da barra da Baía de Guanabara, bem nas imediações da Fortaleza de Santa Cruz com o Forte da Laje, quase ficou encalhado, o que chamou a atenção da população litorânea, do Rio, Niterói e, também da imprensa.

O peixe que meu avô pegou, era uma sardinha tão grande que, colocada no convés do “Minas Gerais”, além de ocupar toda a extensão da pista, ficava com a cabeça e a cauda penduradas, tocando a linha da água ao ponto de dificultar o deslocamento do vaso de guerra, a essa altura, um pouco adernado para boreste.

Como isso aconteceu na hora do rush, o trânsito, em toda a orla do Flamengo até Copacabana e, também do lado de Niterói, ficou congestionado por conta da curiosidade popular que queria ver o peixe em cima da pista do porta-aviões...

Naquela hora, era o momento em que o Ministro da Marinha ia para casa, conduzido pelo seu motorista, no carro oficial.

Como o carro ficou travado no meio da Praia de Botafogo, a autoridade chegou a constatar, com os próprios olhos, aquela situação com o “Minas” quase adernado com o bruto peixe no convés.

Não deu outra. Pelo rádio, enviou um recado para o Comandante do Arsenal de Marinha mandando prender o Capitão do “Minas Gerais” tão logo esse fundeasse nas imediações da Ilha Fiscal.

No dia seguinte, quando o Ministro chegou ao seu gabinete, meu avô, já preso, apresentou-se dizendo que a intenção não era a de infringir o Regulamento Disciplinar da Marinha, mas, pensando de maneira altruística, disse que trouxe o peixe para cooperar com a alimentação do pessoal da guarnição, pois a quantidade de carne era tanta que daria para manter o rancho durante dois anos no almoço e no jantar...

O Almirante, tendo em vista a economia, ouvindo o conselho do Diretor de Intendência, mandou libertar meu avô e concedeu-lhe a Medalha da Água-Marinha, pelo grande serviço prestado.

Ao final da solenidade, chamou o velho no canto e sussurrou baixinho ao pé do ouvido: Comandante! Se eu não tivesse visto isso com os meus próprios olhos iria dizer que não passava de mentira de pescador!

Amelius – 17/01/1014 – 22:43Hs

Amelius
Enviado por Amelius em 18/01/2014
Reeditado em 08/02/2023
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