O IMPORTANTE É IR

Uma música sertaneja tocava ao fundo. Na mesa já havia três garrafas vazias. Ele, porém, queria mais. Levantou-se cambaleando, não tinha muita noção de onde estava pisando. Estava bêbado não só por causada cerveja, mas, também, por causa das doses infinitas de cachaça viradas de uma só vez goela abaixo. Com muita dificuldade, conseguiu chegar no balcão do bar. Pediu mais uma dose de cachaça. Virou-a na boca, pagou a conta e foi arratando-se até em casa.

Em casa, a mulher preparava o jantar. Batatas cortadas, de molho numa panela, para não escurecerem. Enquanto isso, a mulher refogava alguns pedaços de frango. O jantar seria ensopado. No canto da cozinha, a menina brincava de fazer comidinha. Com uma faquinha de brinquedo cortava cascas de batata e colocava nas panelinhas de plástico para "cozinhar".

Aporta abre-se de supetão. Era o marido, bêbado e violento, chegando do trabalho. A pequena, feliz com a presença do pai, foi correndo para recebê-lo. Queria mostrar a comida gostosa que ela havia preparado para ele.

- Saia daqui menina! To cansado, trabalhei o dia todo!- Diz o pai, tirando os sapatos e jogando-os longe.

A menina, triste, afasta-se e vai para a cozinha. A mulher, ouvindo a ignorância do marido e a tristeza da criança, sente-se impotente. Por que ainda morava com aquele homem que nada de bom lhe fizera durante todos os anos de casamento? O que a prendia naquele relacionamento infeliz? Dependência financeira? Falta de um lugar para morar? Não, era algo muito maior. Era o medo de que ele fizesse algo de ruim a ela e à filha.

- Essa comida vai demorar muito?- Perguntou o marido, impaciente.

- Só falta colocara batata e esperar cozinhar. - Responde a mulher, em tom alto.

A menina continuava no canto da cozinha, cortando as cascas de batata,colocando as nas panelinhas, servindo aos convidados imaginários. As batatas, o frango e os temperos já estavam misturados na panela que esquentava no fogo.

- Filha, não venha pra perto do fogão. Mamãe vai tomar um banho rápido e já volta.

A garota sorri e continua brincando, no canto da cozinha. Alguns minutos depois o homem se levanta, enfurecido com a demora do jantar.

- Mas que merda! - Grita ele, levantando-se do sofá- Essa janta é pra que dia?

Vai para a cozinha, chutando tudo que vê pela frente. Não encontra a esposa.

- Cadê você, mulher?

- To tomando um banho!- responde ela, do banheiro.

O homem, indignado pelo fato da mulher ter ido tomar banho antes dele, que havia trabalho o ano inteiro fica mais enfurecido do que antes.

- Eu trabalho o dia todo! Faça chuva ou faça sol tenho que dar duro para dar comida pra você e quando chego em casa não tem nada para comer!

Abre o armário, pega uma lata com biscoito. Come um, cospe. esta murcho. Taca a lata longe. Irado, começa a tirar tudo de dentro do armário e lançar ao chão. Pacotes de arroz, feijão e açúcar rompem-se pelo chão. A menina, assustada, finge que não vê nada. Continua brincando.

Não satisfeito, ele vai até a panela, tira a tampa e espeta um garfo na batata. Ainda estava crua. Sem pensar duas vezes ele dá um tapa na panela que voa para longe.

Um grito. A mulher, que se enxugava, apressadamente coloca um short e, com os seios á amostra sai do banheiro. A pequena, sentada no canto, chorando, com as pernas e braços molhados de ensopado quente. Um instinto de fêmea, de felina toma conta da mulher.

- Desgraçado! Olha o que você fez com a menina! - Grita elam levando a pequena para debaixo do chuveiro. - Fique quietinha, meu bem. Já vai passar a dor.

Liga o chuveiro, senta com a filha no colo. A água fria escorre pelo pelos dois corpos. Algum tempo depois, levantou-se e levou a menina para o quarto. O que fazer? Lembrou-se que quando era criança, a mãe tratava das queimaduras cm amido de milho. Foi na cozinha e achou uma pacote de amido de milho no chão, estava estourado. Passou nas pernas e nos braços da criança.

- Ta doendo, meu amor?

A menina responde com a cabeça. Sim, estava doendo. Aos poucos a dor passa, e a mãe consegue fazer a filha dormir. A mulher coloca a a menina na cama. Vai até a sala. O marido estava deitado no sofá, dormindo. O que fazer? Lhe vem uma ideia na cabeça. Ideia de fêmea feriada, vingativa.

Coloca uma panela cheia de água para ferver. Enquanto a água fervia, ela foi ao quarto e arrumou seus documentos e os da menina numa bolsa. pegou algumas roupas, dobrou-as e colocou-as em outra bolsa. Voltou para a cozinha, a água já borbulhava. Foi ao quarto novamente, acordou a menina. saiu com a filha e as bolsas.

- Espere um pouquinho, meu amor. Mamãe já volta.

Entrou na casa, foi até a cozinha. Ficou parada, encarando a panela. estava pensativa. Não, não era um monstro como ele. Saiu, deu a mão para a menina. Duas mulheres, sem rumo, numa rua escura e deserta. Apenas o som dos grilos quebravam o silêncio da noite. Pegaram um ônibus.

- Pra onde vamos, mãe? - pergunta a pequena.

- Pra qualquer lugar, filhar. O importante é ir... Não importa para onde.

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