"Filhos não devem morrer antes dos pais"

Não parecia certo ver aquele garoto ali, inerte em meio a tanta atenção, com o rosto pálido e os lábios arroxeados. Não parecia certo porque ele não passava de uma criança, de sua criança.

Não devia ser permitido que os pais vivessem para ver seus filhos morrerem, muito menos seus três únicos filhos, um ano após o outro, num maldito ritmo macabro.

Joana abraçava as pernas em um canto daquele mortuário, embora todos dissessem que era apenas uma capela, não passava de um mortuário aos seus olhos. O desespero lhe embalava num balanço constante, suas lágrimas haviam secado, e uma lâmina aguda lhe cortava em pequenos estilhaços.

Vez e outra seus olhos tomavam foco e percebiam as expressões de pesar e pena dos presentes. Detestava que sentissem pena de si, mas não tinha como impedi-los disso, afinal, como não sentir pena de uma mulher que perdera tudo nos últimos três anos?

Robin, seu filho mais velho e o mais doce dos garotos teve seu fim na noite de seu noivado, ao levar a jovem Helena para casa. Apaixonados como estavam e distraídos devido aos acontecimentos daquele fatídico dia, sequer perceberam a aproximação de dois indivíduos desesperados com a abstinência e dispostos a fazer qualquer coisa por algo que tivesse valor. E, por um relógio e um anel de noivado, esfaquearam Robin até seu último suspiro, e só não fizeram algo com Helena pois esta desfaleceu com o choque e, em meio a sua alucinação, pensaram que também estivesse morta.

O choque foi terrível para a família Mendes. Joana e seu marido, Charles, custaram a acreditar no que acontecera, e não se pode negar que sua fé foi abalada. “Filhos não devem morrer antes dos pais”, berrava Charles durante todo o sepultamento, “Isto está errado!”. E quem seria capaz de lhe corrigir? Quem seria capaz de dizer que não estava errado, que a vida era assim mesmo? Não é algo que se diz para um pai que perdeu o filho.

Depois desse episódio, Charles passou a afogar as lembranças na bebida. Esqueceu-se dos outros dois filhos e da esposa, e, numa noite de desespero, pois fim a própria vida. E quem o culparia? Joana.

Como pode um pai abandonar a família num momento como aquele? Como pôde abandoná-la sem emprego e com dois garotos para criar em condições tão precárias? Mal sabia Joana que aquela realidade mudaria em menos de um ano.

Foi quando Filipi insistiu para mãe deixa-lo viajar com os amigos, pois seu sonho era ver a virada do ano na praia. Ele já tinha 17 anos, o que Joana poderia fazer para impedi-lo? Devia apenas agradecer por seu filho lhe pedir. Contudo, não pensaria assim se soubesse que Filipi nunca mais voltaria, nem ele, nem seus amigos. Por um descuido na estrada, o carro caiu num desfiladeiro e ninguém sobreviveu. E mais um filho de Joana lhe deixava. Mais uma vez o destino dava as cartas de forma errada.

Joana estava prestes a enlouquecer, ver o corpo do filho adolescente completamente desfigurado, e ser obrigada a autorizar um enterro com o caixão fechado, que mãe suportaria? Mas os redondos e inocentes olhos de Miguel, de apenas 3 anos, lhe trouxeram à realidade. Não poderia se dar por vencida. Precisava lutar por aquela criança com unhas e dentes, e assim nada de mal aconteceria novamente em suas vidas.

Doce ilusão, Joana. Apenas um ano tinha se passado, e lá estava ela novamente. Na mesma capela, com as mesmas pessoas à sua volta e mais ninguém ao seu lado. Quem imaginaria que uma queda poderia significar a perda de mais um filho. Miguel, espoleta como todos os meninos de sua idade, brincava na sala enquanto a mãe arrumava a casa, e em um segundo, tudo acabara. Lá estava o pequeno e frágil corpo do menino, inerte e sem vida, por causa de um ferimento no crânio.

Que provação era aquela? Não vira apenas a morte de um filho, mas de todos. Aquilo não estava certo.

Os mais supersticiosos diriam que se tratava de uma maldição. Joana não tinha conhecimento algum para discordar ou concordar, mas quem pode saber? Só se sabe que Joana se entregou a loucura, e, naquela mesma tarde, se encontrou com seus filhos. E quem poderia julga-la? Só assim poderia ser feliz.