Padre Gomes
Ao revisitar os meus tempos de criança, uma figura e tanto me vem à lembrança:Padre Gomes.Seus sermões se tornaram inesquecíveis, como também a sua maneira de ser ficou para sempre na memória de todos que conviveram com ele.
Naquela época, era comum a confissão individual.Toda quinta-feira, a igreja matriz destinava um horário na parte da tarde para que a comunidade pudesse se confessar e, assim, com os pecados devidamente perdoados, poder receber a eucaristia no domingo.
Nesse dia, o padre Gomes, juntamente com mais dois outros, que vinham ajudar no atendimento à grande demanda de fiéis,paramentavam-se e se dirigiam aos seus postos.Eu, criança ainda, sempre chegava depois que as filas já estavam formadas.Como tinha pressa em cumprir meu dever religioso para fazer outras coisas mais interessantes, ao deparar com duas filas imensas nas laterais da igreja e uma com duas ou três senhoras (nunca passava disso) na fila do meio, não pensava duas vezes, era nessa que eu entrava.
Na primeira vez que isso ocorreu, fiquei intrigada com a desproporção do tamanho das filas.Pensei com os meus botões: Quem será que está no confessionário do meio pra ser assim tão folgado.Que mordomia!Será que esse padre não quer trabalhar, não? Só depois de me ajoelhar e ouvir-lhe a voz, percebi que era o Padre Gomes.
Dali em diante , continuei me confessando com ele, mas passei a entender o porquê da escassez de pessoas na fila.Afinal, conhecia bem o egrégio pastor.Ele era frequentador de nossa casa,amigo da família e muito querido, apesar do seu gênio um tanto quanto explosivo,que provocava atitudes no mínimo insólitas.Por qualquer dá cá esta palha, ele vinha com um sermão pra deixar qualquer cristão roxo de vergonha.E isso quando quase não tinha uma crise de apoplexia, de raiva mesmo, na hora do xingamento.Nesse momento, ficava vermelho como um tomate maduro, tinha acesso de tosse, mas entre um engasgo e outro, conseguia terminar a sua carraspana.Depois de uns dois copos de água, de um cafezinho servido com algumas quitandas que ele adorava, o padre ficava calminho de novo e passava a falar de outras coisas mais amenas, provocando uma risada geral.
Mas voltando à confissão.O que fazia mesmo as pessoas, principalmente as mulheres (grande maioria dos confessandos), sumirem da fila do padre Gomes, é que ele, com sua voz forte e um temperamento mais forte ainda, à medida que ouvia os pecados, ia alterando a voz, tornando quase pública a delicada situação de quem chegava ao seu confessionário.E como naquela época , apesar da devoção, os pecados eram recorrentes e muitas vezes de ordem "afetiva" ( prefiro o eufemismo), imaginem o pavor das senhoras em relação ao bondoso e discreto padre!
Ainda bem que eu era uma criança naquele tempo.E corajosa como toda criança, de mente limpa e coração tranquilo, lá ia eu bravamente rumo à fila do meio.Fosse hoje em dia, sei não...
Mas o padre era gente fina, da melhor qualidade.