O mendigo
O mendigo
Célia estava divorciada há alguns meses. Tinha voltado a morar na casa dos pais, e levara as duas filhas, a Beth e a Meg. No inicio tinha sido muito difícil, voltar para a casa dos pais com as meninas bem pequenas. Não tinha trabalho, as contas começavam a multiplicar. Vendeu o carro, mandou a empregada embora, cortou todas as despesas que podia fez e refez as contas, mas não poderia ficar no apartamento. A pensão que recebia ia toda embora, logo nos primeiros dias do mês.
Nunca trabalhara, tinha se formado, chegou a dar aula por menos de um ano. Casou, engravidou, o marido achava que ela deveria ficar em casa cuidando do bebê. Logo depois veio a outra menina e ela não conseguia dar conta de tudo ao mesmo tempo. Após o divórcio quase enlouqueceu.
Certa tarde foi ao shopping com as meninas e encontrou uma amiga dos tempos da faculdade. Lilian era muito alegre, moderna e independente. Conversou alguns minutos com Celia e deu-lhe seu telefone. As duas amigas voltaram a se encontrar várias vezes. Lilian estava empregada há alguns anos, era coordenadora de ensino em um curso de idiomas e estava cursando outra graduação. Lilian tinha uma personalidade muito forte e exercia uma influência muito grande na cabeça de Célia. Começou a incentivar-lhe para arranjar um namorado que deveria mudar sua maneira de vestir-se, cortar o cabelo, tingir e muitas outras coisas. Tornara-se uma verdadeira capitã do navio abandonado da vida de Célia. E Célia obedecia como uma recruta sem bem saber o que estava fazendo.
Vieram as festinhas de finais de semana, alguns namoricos, e mais festinhas, algumas saídas com uns rapazes estranhos, nada fixo ou definitivo.
Certa madrugada, Célia notou algo estranho no rapaz que estivera com durante a noite na festinha. Ele ofereceu-se para leva-la em casa. Ela não queria ir com ele, mas achou melhor não recusar-se. O rapaz estava completamente drogado, tinha bebido muito e feito uso de outras drogas. Célia estava tão assustada em ter como companhia um drogado, mas para não deixar perceber fingiu que ia ao banheiro e pediu que ela esperasse, saiu do apartamento onde a festinha estava rolando, pela porta da cozinha. Desceu as escadas e tirou os sapatos e começou a andar bem depressa. Andou muito a pé. Estava na praia de Copacabana, com uma roupa super curta, a sorte é que usava um casaco. Enrolou-se no casaco para se proteger do frio da manhã, que se anunciava com seus primeiros raios de sol. No banco em que estava sentada, sentou-se um senhor. A roupa dele estava em farrapos. Ele era claro, tinha uma barba grande, os olhos eram bem escuros e pequenos. O rosto cheio de rugas, os cabelos crespos, grisalhos, a boca de lábios finos e pequenos. Parecia um louco, uma pessoa doida que resmungava baixinho, enquanto mexia com os dedos para lá e para cá.
Começou a resmungar baixinho e falou para Célia mais ou menos assim: “Menina, vai para casa, larga essa vida errada, que você está levando”. Esses homens que você encontra na vida, estão sugando sua juventude, seu corpo, sua saúde. Arranja um trabalho, isso mesmo vá procurar uma escola para dar aulas, logo, logo, você vai perder suas filhinhas, se não tomar rumo na vida.
Aquelas palavras tocaram fundo no coração de Célia. Ela começou a chorar, as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto, timidamente, depois com mais força. Célia nada disse, levantou-se e apertou a mão do senhor, abriu a pequena bolsinha que carregava e tirou algumas notas de dinheiro, de algum valor, pois nas outras noitadas tinha encontrado um cliente muito generoso que lhe dera um pouco mais do que os outros. O senhor abanou a cabeça negativamente e mandou-a embora. Célia estava cansada, envergonhada de si mesma. Fez sinal para o primeiro táxi que encontrou. Ao chegar a casa tomou um banho, foi para a cozinha preparar o café. A mãe ainda estava dormindo, quando sentiu o cheiro do café que Célia preparava.
Alguns meses se passaram, Célia mudou de vida. Arranjou um emprego, largou as péssimas amizades como Lilian e estava muito satisfeita com seus planos para o futuro. Certa tarde de domingo teve vontade de procurar o senhor que encontrava naquela madrugada, foi até o mesmo local ficou andando por ali, mas não o encontrou.
Voltou muitas vezes no mesmo local, até que uma noite de sexta-feira foi até lá encontrou outras pessoas por lá, inclusive um mendigo. Começou a conversar com ele, e contou-lhe como aquele senhor naquela madrugada tinha-lhe ajudado com seus conselhos. Fez a descrição detalhada para o mendigo, ele sorriu mostrando-lhe a boca cheia de dentes podres e naquele sorriso ela pode ver a semelhança com o senhor que lhe aconselhou. Perguntou-lhe: - “É você?” o mendigo, sorriu, levantou-se e acenou adeus com uma das mãos e disse-lhe: “voltarei sempre que você precisar, não precisa me procurar, eu sempre sei onde você está”.