O Leite da Vaca Preta
Durante a minha infância e adolescência, vivi na área rural, às margens do rio São Francisco, ou, mais precisamente, morando na roça. Bem próximo da casa, um curral, onde logo cedinho se tirava o leite, que logo seria servido à meninada. Leite puro, sem o risco do “batizado”, que só fui conhecer a partir de quando fui morar na cidade. Era isso que diziam dos leiteiros desonestos.
Ao morar na quarta cidade, já casado e pai de duas filhas, tive a preocupação de comprar um leite de boa qualidade, tanto quanto o que eu tomava na infância e adolescência. Indaguei dos vizinhos sobre o leiteiro daquela rua. Fui apresentado a um que ali passava em seu burrico, com dois baldes, um de cada lado, como é comum para o equilíbrio da carga.
Para meter-lhe medo em ser desonesto comigo, disse-lhe que, por ter nascido na roça, próximo ao curral, conhecia profundamente a qualidade do leite, detectando facilmente a existência de água, se porventura ele atravesse a batizá-lo.
Fiquei curioso ao ver que o meu leite vinha separado, num baldinho à parte. Nem lhe perguntei o motivo e ele já dizia até para o vizinho ouvir: “óia o leite da vaca preta”. Era a sua maneira de justificar para os outros por que o meu vinha separado. Não sei se por superstição, dizia-se lá que o leite de vaca preta era mais propício para criança.
Da minha parte, o que eu entendi mesmo foi que ele caiu na minha conversa ao dizer que descobriria se o leite fosse “batizado”, pois o de que eu gostava mais era de uma “coalhadinha”. Dei-lhe a entender que por meio da coalhada, descobre-se a existência de água.
Assim, tive a certeza de que realmente o meu leite não era “batizado”. Ele não se atreveu a enganar “o menino da roça”. Nada como declarar a sua origem. Foi apenas uma esperteza da minha parte. Mas, apesar do meu leitinho puro da infância e adolescência, não adquiri a experiência para comprovar o tal batizado do leiteiro desonesto. Segui apenas o adágio: “contra esperteza, esperteza e meia”.