JOÃO COITADO ROLANDO NA LAMA

Marcamos para um sábado a cena da tão esperada barreação do rancho de meu compadre. O evento se tornou num verdadeiro espetáculo. Amanheceu o dia coberto por um nevoeiro intenso prometendo desabar em chuva a qualquer momento. Seus colegas de trabalho não compareceram, imaginaram ser impossível efetuar o trabalho devido às condições do tempo, apenas Geraldo Baldo, ele, e eu, nos dirigi ao local.

- Nois vai tê de larga esse trem potro dia cupadade vai chuvê padaná e só nois num dá mode fazê nada.

--Que isso compadre faremos o que puder noutro dia terminamos. Seu rancho já está coberto envarado e amarrado, e nós não somos feitos de açúcar, somos de carne e ossos, não vamos derreter na chuva.

Assim que começamos amassar o barro, começou a cair uma garoa fina e um vento frio e cortante que penetrava nossa pele indo até nos ossos. A água estava morna, era de uma cisterna cedida pela vizinha uma Muller viúva muito prestativa, mãe de oito crianças seis meninos e duas meninas. Logo que começamos os seis machinhos, estavam todos dentro do buraco amassando o barro.

Branca como é carinhosamente conhecida essa amiga que, aliás, ainda vive até hoje com seus mais de oitenta anos, ao invés de retirar seus filhos daquele lamaçal, logo se ofereceu para ajudar também e tomou frente na captação da água cuja cisterna, era de uma profundidade enorme. Em pouco tempo os guris mais pareciam meia dúzia de leitões enlameados do que propriamente seis crianças sujas de barro.

A chuva aumentou ao ponto de nem mais precisar usar água da cisterna a enxurrada que descia do telhado era suficiente para amassar o barro, tarefa que ficou aos cuidados das crianças.

Logo a mãe perguntou se não havíamos levado pinga. No que respondi:- - eu trouxe apenas uma rapadura e três litros de leite. Ela então retrucou:

--É a primeira vez que eu vejo barrear uma casa sem pinga, numa chuva dessa se tiver pinga o serviço rende dobrado.

-- Não seja por isso tome o dinheiro e vai comprar, e traga também um quilo de fubá já que está disposta a nos ajudar faça uma porção de mingau de fubá pra nós. Pegue o leite e a rapadura na carroça. Eu não bebo pinga, mas para mim e seus filhos um mingau quente vai cair bem.

-- Bobagem, esses mininos vai beber é quentão--, posso comprar um pouco de canela em cavaco?

--Claro traga o que for necessário já que seus gambazinhos bebem quentão-, só que será por sua conta e risco por mim criança não deve beber, mas elas são suas, quanto a isso, eu lavo minhas mãos.

--Ocê vai ver como vão ficar bão de sirviço na hora que eu dé um quentão pra eles.

Dito e feito as crianças deitaram e rolaram no quentão, e no mingau de fubá com canela uma delicia que ao relembrar dá até água na boca, mas do mingau, porque quentão por incrível que pareça eu talvez seja o único caipira que nunca tenha bebido.

Meus compadres acabaram embebedando, principalmente o compadre dono da festa.

Cinco horas a chuva cessou estava todo o serviço pronto. Dei uns trocadinhos que tinha no bolso para as crianças, que saíram em disparada periquito abaixo rumo ao centro do Engenho. Foram comprar guloseimas coisa rara para aqueles pobrezinhos órfãos de pai que vivia sabe Deus como. Periquito é o nome do bairro, ganhou este nome devido a escassez de água lá existente .

Pois bem o trabalho que seria feito pelos homens que não comparecerem acabou sendo realizado pela viúva e seu filhotinhos numa alegria contagiante. Valeram-me, aquelas lições, jamais esquecidas, pessoas que viviam abaixo do nível de pobreza. Mas com uma alegria contagiante, ajudando de forma solidária ao meu compadre que ao contrario, vivia num desanimo como se nada na vida valesse a pena.

Entramos na carroça e tomamos o rumo de casa, a chuva retornou fina e insistente. Momento em que João Coitado se postou na grade trazeira da carroça, compadre Geraldo que também estava meio grogue o advertiu:

-- Oh João ocê senta no suáio da carroça sinão ocê vai caí de costas na lama!

--Potocá ieu num to bebo não ta pensano qui to bebo, potocá o cavalo num tô bebo não!

Foi só aquele tombo de costas na lama.

- Ocê senta no suáio da carroça João larga mão de cê temoso ome!

-Ieu vô é aqui potocá , potocá !

Mais de meia dúzia de vezes eu vi meu compadre de galhos para o ar na lama, nós o colocamos de novo na carroça e ele insistindo em se sentar na grade. Até que o outro ameaçou amarrá-lo no assoalho.

-- Marrado ieu num vô não ieu num sô porco mode andá piado!

- Intão ocê larga mão se cê temoso qui nois pricisa chegá incasa pra tomá banho e ficá livre dessa lambança. Oh ome temoso sô!

( PARA A SEMANATEM MAIS)

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 09/12/2013
Reeditado em 09/12/2013
Código do texto: T4604729
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