A tia desaparecida
Uma família foi à praia passar uns dias de férias e resolveu
levar uma tia já bem idosa, como forma de presenteá-la pelos
seus 90 anos. Foram dois carros bem cheios e uma carretinha
rebocada por um deles, com mantimentos e bebidas. A viagem
de ida transcorreu tudo às mil maravilhas, tiveram que parar
algumas vezes a mais para a tia ir ao banheiro e tomar remédios.
Chegando ao destino, depois de tudo arrumado, todos foram
à praia para ver a reação de sua querida tia. Como ela ainda não
conhecia o mar, ficou deslumbrada com o tamanho e beleza daquele
mundéu de água salgada. A senhorinha ficou horas vendo
aquela imensidão azul, que sumia de vista, e as ondas intermináveis
que chegavam à praia. No primeiro momento, preferiu ficar só
observando do lado de fora à sombra de um guarda-sol. Depois de
muita resistência e com a ajuda dos sobrinhos, resolveu molhar os
pés um pouquinho. No dia seguinte já se aventurava entrar sozinha,
mas sempre bem no rasinho com a água no máximo até as canelas.
Foi se adaptando ao ambiente lentamente, no terceiro dia
sentiu vontade de fazer xixi e entrou no mar até a água chegar
quase à cintura. Em uma dessas entradas acabou desequilibrando
e levando um caixote da onda, de repente a senhorinha sumiu à
beira-mar. Todos correram para acudir e ajudá-la a se levantar,
apesar do susto, aparentemente tudo estava em ordem. Quando
estava de pé e fora de perigo ela deu um sorriso e todos caíram na
gargalhada junto com ela. Sem que ela percebesse, a onda tinha
levado sua dentadura superior e a deixara metade banguela. Seus
parentes quase morreram tentando sufocar o riso e não podiam
olhar uns para os outros. Fizeram um verdadeiro arrastão pela
praia, procuraram a dentadura por todo lado e nada de encontrar.
Este fato não tirou a alegria de estar com a família e conhecer o
mar, mas desse dia em diante ela preferiu ficar na barraca ou no
apartamento apreciando o mar de bem longe.
Haviam programado um passeio de barco para toda a família,
porém na última hora a senhorinha preferiu ficar no apartamento.
Como a família ia ficar o dia todo fora, o que seria bem desgastante,
concordaram que era melhor que ela ficasse, e se tivesse algum
problema, telefonaria. No outro dia pela manhã todos saíram
bem cedo para fazer o passeio turístico. Como ainda estava meio
escuro e a senhorinha ainda dormia, saíram sem se despedir dela.
Aproveitaram o dia navegando, caminhando e conhecendo
lindos lugares, restaurantes e praias maravilhosas. Quando retornaram
ao apartamento já estava escuro e todos muito cansados.
A senhorinha estava deitada dormindo, como era seu hábito deitar
muito cedo ninguém deu importância. Apesar de sua já avançada
surdez, fizeram o mínimo de barulho possível e se juntaram a ela
em um merecido sono.
No outro dia todos se levantaram cedo para aproveitar o
derradeiro dia de férias e foram pegar umas ondas. Quando a
fome bateu retornaram para o apartamento, para a surpresa de
todos, a tia ainda estava dormindo. Um deles achou estranho o
fato de a tia estar dormindo até àquela hora e foi verificar o que
estava acontecendo. Para seu espanto ela estava morta, e já fazia
algum tempo, pois estava durinha. Foi aquele chororô, bateu o
maior desespero, ninguém sabia o que fazer. Pensaram em chamar
a polícia e fazer uma ocorrência, porém até fazer a autópsia e
liberar o corpo demoraria muitos dias devido ao feriado, e eles
iriam embora no outro dia. Alguém queria ligar para a família
avisando, mas os outros acharam que não era uma boa ideia.
Então, um tio mais velho assumiu a situação e disse:
— Não vamos chamar nem avisar ninguém, vamos colocá-la
no carro e ir embora, lá resolveremos a situação.
Foi aquele corre-corre, arrumando as malas colocando no carro
e se preparando para ir embora. Quando foram colocar a “defunta”
no carro, ela estava dura e não cabia de forma alguma, além de
chamar muita atenção. Alguém teve a ideia de colocá-la na carretinha
que um dos carros trouxera com mantimentos e bebidas. Como
havia sobrado pouca coisa do que haviam levado, distribuíram no
porta-malas o que restou. Colocaram a senhorinha dentro da carretinha
com alguns sacos de gelo que sobraram, o cadeado na tampa
e partiram em retirada quando já anoitecia.
Para evitar que algum policial parasse o veículo, um deles foi
na frente para verificar se o caminho estava livre. Caso encontrasse
algum problema, ligaria avisando. E assim dirigiram a noite toda,
loucos para chegar ao destino. Ao amanhecer, a fome, a tristeza e a
vontade de ir ao banheiro foram apertando, resolveram parar em um
Shopping Center. Deixaram os veículos no estacionamento e desceram
todos para comer algo e ir ao banheiro o mais rápido possível.
Quando voltaram, tiveram uma surpresa muito desagradável,
alguém tinha tirado a carretinha do reboque e roubado. Pois
bastava um carro com a “bola” de reboque para fazer a troca e
roubá-la. Quem estava com um produto daqueles não tinha medo
de ser roubado, mas os ladrões não imaginavam o que estava lá
dentro. A carretinha estava trancada e os ladrões não perderiam
tempo para abri-la, se o que estivesse dentro fosse sem valor, a
carretinha por si só poderia compensar o roubo.
Procuraram por várias horas em todos os lugares possíveis
e nada de encontrar. E agora o que fariam? Não podiam ir à
polícia, pois não tinham como explicar o ocorrido. Ocultação e
transporte ilegal de cadáver ia lhes complicar e muito.
Resolveram chegar às suas residências, porque só faltavam uns
100 km, e esperar o que ia acontecer. Sabiam que se o corpo
aparecesse estariam lascados. Como a tia morava sozinha, ninguém
daria falta dela, até que recebesse uma visita depois das fatídicas
férias. Alguns dias se passaram e nada de novidades, então uma
vizinha deu falta dela e comunicou aos parentes. Foram a sua casa
e em seguida à delegacia e deram queixa do desaparecimento da
tal tia, mas sem contar nada do que tinha ocorrido anteriormente.
Na ocorrência disseram que ela poderia ter desaparecido entre os
dias que chegaram da praia até o dia da ocorrência. Ligaram para
os demais parentes avisando do sumiço da senhorinha no mesmo
dia que registraram a queixa na delegacia. Todos ficaram muito
tristes e se mobilizaram para encontrar a tia, alguns parentes dela
colocaram foto nos jornais e em vários outros locais. Por algum
tempo os envolvidos nesse caso ficaram apreensivos, pois se fosse
encontrado o corpo ou os ladrões, a coisa não ficaria muito boa. E
até hoje, nem sinal da carretinha e a tal tia nunca mais deu as caras.
Fico imaginando a surpresa dos ladrões quando abriram a carretinha.
Se não fosse trágico, seria cômico esse fato! Devem ter jogado
ou enterrado a senhorinha em um lugar até hoje desconhecido.
Um amigo me contou esse causo e jurou de pés juntos que
realmente havia acontecido. Quem lhe contou tinha visto as fotos
e a reportagem nos jornais da época, e só depois ficou sabendo
o que realmente havia acontecido. No momento acredito que
eles devem saber o que realmente aconteceu com o corpo da
senhorinha, os dois infelizmente já morreram e devem ter se
encontrado com ela por lá.
Assim como eles, um dia vou ficar sabendo da veracidade dessa
história, como não estou com muita pressa, prefiro o benefício da
dúvida por enquanto.
Kennedy Pimenta