CAUSOS DA BOLEIA - QUEM ESPERA SEMPRE CANSA
CAUSOS DA BOLEIA - QUEM ESPERA SEMPRE CANSA
Eu estava indo para o Rio de Janeiro de manhã bem cedinho. O dia se anunciava bem claro e fresco, com sol despontando no horizonte para subir o céu limpinho e azul. Eu não resisti e parei numa pequena vila de pescadores chamada Portinho para ver um dos mais belos espetáculos que a natureza oferece: o sol vindo aos poucos avançando trazendo a manhã. Quando ele supera a linha do horizonte, lança seu reflexo na água num feixe de luz que se estende por toda a extensão do mar até a terra. Sentei-me na beirada do pequeno cais, balançando as pernas, maravilhado com o espetáculo, o dourado do sol empretecendo os barquinhos dos pescadores lá perto dele. Um sentimento de paz absoluto. Estava me preparando para a viagem. Ainda iria parar em uma cidade perto de Campos para pegar uma carga. Pouca coisa, uma parada providencial para eu almoçar.
Estava tão distraído, que nem percebi quando ela se aproximou bem devagar, com os passos leves como de uma gata. Só notei a sua presença quando uma tábua rangeu ao pisar macio dos pés calçados com tênis. Meus olhos subiram pelas pernas vestidas com jeans até encontrar o rosto lindo daquela garota.
- Bom dia! O senhor é o dono daquele caminhão?
- Sou eu mesmo, por quê?
- Vai pros lados do Rio de Janeiro?
- É. Eu estou indo pro Rio.
- Eu posso ir contigo? Preciso muito chegar ao Rio de Janeiro. Eu sou de lá; Vim aqui passar o fim de semana com umas amigas, mas tenho que voltar hoje mesmo pra casa. Aconteceu um imprevisto e eu não consegui passagem. O senhor pode me levar?
- Moça, qual a sua idade? Eu não posso andar com menores por aí. Posso arranjar encrenca.
- Eu tenho vinte e dois... Olha aqui - mostrou a identidade.
Mary. Não deu para ler o sobrenome porque um dedo escondeu, mas não foi de propósito. O importante é que eu pude confirmar que era maior de idade. Verifiquei que a foto era dela mesmo. Assim não teria problemas.
Como o sol já tinha deixado a água e partido para a travessia da abóbada, me levantei, dei uma espreguiçada para esticar o corpo e disse:
- Então, vamos lá companheira! Mas antes você precisa saber que eu tenho que parar perto de Campos pra pegar uma carga. Lá a gente aproveita pra almoçar, porque saco vazio não para em pé. Depois a gente segue viagem pra casa. Está bem assim? Ah! Meu nome é Rui Barbosa, mas pode me chamar só de Rui. O seu é Mary, eu já sei. Li na identidade. A viagem não é muito confortável, mas a gente vai conversando e o tempo passa. Vai ser até bom ter companhia... melhor ainda, feminina e bonita. Vamos lá; Pula pra boleia!
Ela jogou a mochila no banco e subiu antes que eu fizesse menção de ajudá-la. Assim que eu saí com o caminhão, ela logo perguntou:
- Por que você disse que o seu nome é Rui Barbosa, em vez de dizer somente Rui?
- Porque o meu pai, não sei bem qual a razão, gostava muito do Rui Barbosa. Aquele mesmo sobre quem você deve ter lido na escola. “Um grande brasileiro”! Meu pai falava. Ele fazia questão de dizer que meu nome era Rui Barbosa, em homenagem a ele, cheio de esperanças que eu fizesse jus ao nome. Eu sabia que ia me acostumar com isso, assim eu sempre me apresento como fiz contigo. No Brasil não usa muito nomes compostos. Assim, meu nome é Rui Barbosa. Mas, como eu disse, pode me chamar só de Rui.
Ficamos conversando sobre várias coisas na estrada: sobre a cidadezinha onde nos encontramos, sobre a beleza do dia, etc. Notei que ela conhecia tudo sobre aquele local que nem consta no mapa. Não parecia uma turista como ela tinha dito.
Quando paramos para carregar o caminhão, sentamos num restaurantezinho para almoçar. Ela quis pagar a despesa, mas eu não aceitei, lógico.
- Então cada um paga a sua! - Ela disse.
- Fechado! – Concordei.
Enquanto almoçávamos, ela me confessou que não era do Rio, morava em Portinho mesmo, sempre viveu e nunca saiu da cidade, aquela era a primeira vez. Pediu desculpas por ter mentido. Disse que fez porque ficou com medo que eu não quisesse dar carona a ela. Contou que era filha de pescadores e desde menina ajudava o pai na atividade de pesca. Os pais não tiveram filho homem, só ela e uma irmã mais nova. Ela gostava de viver naquele lugar, de pescar. Acostumou-se àquela vida simples e não pensava no futuro. Tinha a pele curtida e morena por trabalhar muito tempo sob o sol, à beira-mar. Ela sabia que tinha o corpo bonito e perfeito, sem o mínimo de gordura.
A mãe vivia dizendo para ela tomar cuidado com os homens, já que era muito bonita. Andou de namoro com um rapaz da região, mas foi por pouco tempo. Ele foi estudar em Vitória, morar na casa de um tio e nunca mais se viram. Um dia ela conheceu um homem que estava sentado justamente no local onde ela me encontrou. Ele também estava olhando para o mar como eu. Depois ficou olhando para ela, que estava arrumando a rede que o seu pai tinha utilizado naquela manhã. Ele se aproximou a pretexto de perguntar sobre a atividade da pesca e sobre as coisas do local, como viviam as pessoas dali. Disse que era escritor e que estava escrevendo um livro. Ela lhe respondeu que quando terminasse de arrumar as coisas, iria a casa e, mais tarde, voltaria, se ele quisesse, para conversarem e, então, diria tudo sobre o que lhe interessasse saber, ela conhecia tudo.
À tardinha ela se arrumou e foi para o cais. Ele já estava lá, sentado no mesmo lugar. Ela reparou que ele era bonito, tinha o olhar calmo, parecendo muito sincero. Quando se encararam os olhos dele entraram pelos seus, um olhar firme do qual ela não conseguiu se desvencilhar. Naquele momento sentiu que alguma coisa ia mudar na sua vida. Ficaram conversando e não se deram conta que a noite tinha chegado, o sol tinha ido embora e a lua tomou o seu lugar. Estavam sentados na praia que naquela hora estava deserta. Contou que naquela altura ela já não queria ir para casa, tinha se apaixonado por aquele homem culto. Ele também estava muito atraído por ela e acabaram se beijando.
Naquela noite ela não foi para casa. Ficaram juntos e amaram-se na praia. Ela se e entregou a apaixonadamente e com ele perdeu a virgindade. Disse que não estava nem pensando nos problemas que teria quando chegasse em casa, queria ficar com ele.
- Ele não perguntou nada sobre meus pais, parecia que estava com medo de eu ir embora. Ficamos até quase amanhecer fazendo amor, foi a melhor noite da minha vida - Ela disse. Quando o dia estava amanhecendo, ele vestiu as roupas e foi para a pousada e me deu um beijo de despedida, ira embora naquela manhã. Eu passei na casa de uma amiga contei tudo como foi a minha primeira vez e pedi e ela pra, se meus pais perguntassem, dizer que fiquei na casa dela, já tinha feito isso outras vezes.
Ela não mencionou nada a respeito de ter medo de ficar grávida. Parecia que estava bem segura a esse respeito. Eu também não perguntei, não queria mostrar muita curiosidade. Mas, doidinho para saber, isso eu estava. Continuou a falar dizendo que estava louca de amor por ele e sabia que ele também estava apaixonado por ela, que se falavam por telefone. Ela ligava para ele, quase todos os dias.
- Eu falei com ele que iria pro Rio hoje pra viver com ele. “A tua menina do porto está indo pra você!” - É assim que ele me chama carinhosamente desde aquela noite. Ele me disse que era melhor esperar um pouco, porque agora não tem condições de ficar comigo. Mas eu não aguentei esperar. Quando a gente chegar lá, eu ligo pra ele e eu sei que ele vai ficar muito feliz. Não vejo a hora de encontrá-lo de novo.
Depois, no restante da viagem, ela dormiu quase o tempo todo. Eu a deixei na rodoviária no Rio de Janeiro e espero que ela tenha conseguido realizar o seu sonho, embora tenha as minhas dúvidas.