Barganha entre catireiros
No arraial do Santo Hilário, havia dois fazendeiros vizinhos
de porteira. Um deles tratado como Soizé e o outro de Tião Ma-
neca. Gostavam de fazer uma catira (comprar, vender ou trocar)
qualquer coisa que lhes dessem um lucrinho. Comenta-se que os
dois sempre saíam levando vantagem em suas barganhas. Como
diz meu pai, mais fino do que assobio de macaco (velhaco), e
nunca metiam a mão em uma cumbuca. Quando os dois faziam
uma catira entre si, dizem que ambos saíam ganhando que jamais
perdiam. Neste caso, quem perdia era o governo, as testemunhas,
o vizinho, o banco ou quem mais estivesse por perto.
Apesar de amigos, virou uma questão de honra entre os dois
passar o outro para trás em uma troca. Ou seja, ser considerado
o catireiro mais esperto de Santo Hilário! O único pacto que
tinham entre eles é que não podiam mentir um para o outro.
Um belo dia eles começaram uma barganha de animais, tratava-se
de um cavalo bonito e bem alinhado, mas ruim de sela
e arisco, por uma égua boa de sela, porém muito feia. Soizé, o
dono do cavalo, informou que seu alazão era o que ele estava
vendo e só faltava falar. O Tião Maneca, o dono da égua, disse
que o único defeito que a égua tinha estava na vista. E assim que
se concluiu a barganha, cada qual seguiu com seu animal para a
fazenda, tendo a certeza de que desta vez tinha passado o outro
para trás. Fizeram o negócio bem rápido para que o outro não
percebesse a cama na qual estava se deitando.
Soizé montou na égua e foi pela estrada afora, de vez em quando
a égua dava uma tropeçadazinha e parecia meio perdida apesar
de marchar com esmero. Quando chegou à sua casa, soltou o
animal no curral e ficou observando meio desconfiado. A égua
caminhava devagar como se estivesse entranhando o local, esbarrou
na cerca e nos mourões. Num exame mais detalhado, o Soizé
percebeu que a égua era cega. Infelizmente não ia poder reclamar
com o Tião Maneca, pois esse lhe havia informado que o defeito
estava na vista (apesar da aparência normal, a égua não enxergava).
O Tião Maneca levou o cavalo para casa a pé, pois ele era
muito arisco, ruim de sela e só servia para reprodutor por ser um
belo animal. Colocou o animal na cocheira e ficou rodeando-o e
admirando sua beleza. Por fim, percebeu que o cavalo estava com
muita dificuldade para comer e beber. Quando abriu a boca do
animal, depois de muito pelejar devido a sua braveza, percebeu
que a ele faltava mais da metade da língua. Infelizmente não ia
poder reclamar com o Soizé, pois esse lhe havia informado que
o cavalo só faltava falar (se não tem língua, é mudo).
No final das contas, ninguém saiu perdendo na catira, troca-
ram seis por meia dúzia! Mas catireiro que se preze, quando não
consegue fazer um negócio, pelo menos troca de lugar na cama
com a esposa ou dorme no sofá!
Depois de uns três dias se encontraram após a missa, cada
qual rindo mais que o outro. E como os dois animais não serviam
para nada, combinaram de colocá-los juntos para reproduzir. Os
animais frutos dessa parceria seriam vendidos e partiriam o lucrão.
Após vários meses a égua pariu, porém tamanha foi a decepção
dos dois que ficaram inconformados com a cria. O potro
nasceu com a feiura da égua e a ruindade do cavalo, não pagaria
nem o pasto que comeria no futuro.
No fim das contas tiveram que vender os animais para um
comprador de mioleiro (cavalo velho), para eventualmente se
transformarem em salame!
E como tudo que é ruim ainda pode piorar, recebeu um
cheque sem fundos como pagamento. Pela primeira vez na vida
tiveram que repartir o prejuízo de suas catiras. O que poderia ter
ficado em segredo entre eles, se não tivessem passado o cheque
sem fundos para o dono do boteco mais frequentado de Santo
Hilário. Graças a este descuido ficamos sabendo da catira mais
famosa de nossos conterrâneos.
Kennedy Pimenta