O CORAJOSO E O LADRÃO.

         Contam os contemporâneos de meus avós que pelos lados de onde vieram a se fixar, vindo lá do Sul, existia um homem que fazia de tudo para se mostrar ser o mais valente da vila rural.
         Tinha ele uma velha garrucha de dois canos - portanto só dois tiros.  Nem ele próprio sabia se a tal garrucha ainda  funcionava. Era herança de família, passada de mão em mão, e, pelo que constava nunca havia dado um só tiro com ela. E, ouçam bem, o eterno candidato a valentão já passava de seus sessenta anos. Ele, Tonico do Bolicho, morava sozinho não se sabiam por que cargas d'água; e, chamava a velha garrucha pelo nome de "meu berro", talvez para ser mais ameaçador.
         Em um desse dias que sempre chegam, contava um seu amigo, que o viu com o berro na mão, na porta de sua casa. Esbravejava lançando várias invectivas cabeludas contra quem dizia ser um ladrão, que a passos de gatuno zanzara por sua casa. Então, munido desta simples presunção passara a esbravejar: - Ô, seu larápio... como tens a temeridade desavergonhada nessa sua cara de pau de atacar a propriedade de cidadãos trabalhadores e honestos, em suas próprias casas...?
           Falava isto tudo, e olhava triunfante para o ajuntamento das pessoas que iam se achegando; já pensando estar fazendo figurão com sua "grande" demonstração de coragem. Ganhou ímpeto: - Vilão, filho de uma vadia, coisa ruim, safado..., está muito enganado em pensar que ia roubar o pouco de um trabalhador. Veio e conheceu meu berro, que já derrubou até onça no pulo!
Tu vais conhecer a força deste "pau-de-fogo" que nunca poupou vagabundo! ... Vou te dar uma chance - está com sorte de que hoje estou calmo - vou te deixar ir embora, antes de te estourar a cabeça.
          Gritava assim, para disfarçar a tremedeira do queixo e dos joelhos, do medo que sentia. Ressabiado, hesitava em abrir a porta e dar de cara com o ladrão, que julgava estar: "não sei onde"...
          Abriu uma fresta da porta, tremendo e disfarçando do pessoal aglomerado. Nisso sai feito uma bala um cão magro como um graveto pela abertura, correndo diante de seus olhos com um osso de galinha na boca, espavorido sem olhar para trás correndo feito uma lebre.
          Seu dileto e honorável público, que até agora, estava atento aos fatos, desaba-se em gargalhadas, chistes e chacotas, mediante a pândega e hilariante situação. Um o chamava de bocó-de-molas, outro de toupeira, outro de coió, anta e o desfile  de sons onomatopáicos: zurros de jumento e pejorativos regionais faziam coro.
          Nosso herói, para dar a volta por cima, aproveitando uma trégua da assistência disse: - Louvado seja nosso Abençoado Deus, que operou o milagre  de transformar em cão o bandido, para evitar que eu o matasse e viesse injustamente a pagar por isso!
          

          


 
Mauro Martins Santos
Enviado por Mauro Martins Santos em 23/10/2013
Reeditado em 03/03/2015
Código do texto: T4537676
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