Sábado de aleluia
Numa das primeiras semanas santa havida na Campina da Cascavel, o Padre Dimas resolveu instituir a malhação de Judas para o sábado de Aleluia, como uma reflexão à comunidade discursando belamente sobre as diversas controvérsias que havia a respeito da traição e do suicídio do apóstolo em questão.
O povo que não sabia do que se tratava a dita malhação pediu explicações ao Padre que respondeu ser uma festa que acontecia em todos os lugares e que dava vazão aos sentimentos mais ignóbeis do ser humano. Haveria lá na praça um cadafalso – construído com a ajuda dos homens – e uma corda para enforcarem um boneco de palha, a personificação de Judas Iscariotes.
Depois de tudo entendido, o povo tratou de ajudar a montar os apetrechos para o festejo fúnebre. Quem não gostou nada da história foi o delegado, mas como a turba estava influenciada pelo acontecimento, optou por não chamar ninguém à razão, tampouco o Padre.
Na sua concepção, aquela novidade de malhação poderia trazer inúmeros transtornos a todos porque sempre há aquele que se aproveita dos fatos para externar atitudes de cunho não recomendado.
Ficou de sobreaviso, de revólver na cinta e de tocaia na delegacia.
Chamou mais três compadres para ajudá-lo na empreitada que aceitaram tão logo presumiram que o delegado estava certo em suas conjecturas.
No dia do sábado de Aleluia a população já estava na praça com o boneco de palha vestido e de sandálias esperando que o Padre iniciasse o dito ritual que ninguém conhecia e que depois que aconteceu o pseudoenforcamento, ninguém gostou. O Padre ficou sozinho junto ao cadafalso vendo que sua ideia tinha sido uma bobagem. Decerto que ali, naquele lugarejo tão pequeno as pessoas não estavam acostumadas e nem concordavam com esse tipo de coisa e o sol esquentou a sua batina e ele recolheu-se ao frio da igreja, deixando o boneco lá enforcado.
Tiraria ele depois, mas esqueceu-se com os preparativos da Missa.
No dia seguinte, o Padre encontrou o delegado e outros três homens na praça gritando ordens e pedindo explicações para quem estava passando por ali. Viu com seus olhos incrédulos o boneco jogado ao chão e um corpo pendurado na forca. Ninguém conhecia o falecido, mas deduziram pela indumentária que se tratava de jagunço perdido.
“Bem que desconfiei” disse o delegado para o Padre escutar. E ficou falando roucamente sobre aquela barbárie ter acontecido por causa de ideias de jumento que só poderiam dar nisso. O Padre se ofendeu em partes. Ficou se culpando e na Missa de velório daquele desconhecido pediu desculpas pela tragédia acontecida presumivelmente por sua causa.
O jagunço foi enterrado e o povo desculpou o Padre.
O tempo passou e todo mundo acabou por esquecer o ocorrido até que aconteceu de encontrarem outro enforcado no sábado de aleluia do ano seguinte e descobriram tratar-se de outro jagunço foragido e tiveram muito medo que poderia ser que existisse um jagunço fazendo esse tipo de coisa a mando de outrem ou por conta própria para assustar o delegado e a população.
Os anos passaram e sempre que era véspera de sábado de aleluia o povo já deixava na praça uma carroça para carregarem um eventual morto que aparecesse naquele dia. Era certo e ninguém descobria como é que apareciam na praça os enforcados já mortos a tiro. Eram todos jagunços e alguns reconhecidos pelos folhetos de “procura-se” que estavam pendurados na delegacia.
O delegado já havia ficado de tocaia a noite toda na praça para pegar o meliante que colocava uma corda em alguma árvore e pendurava o morto e nunca viu ninguém, nem nada, nem vulto.
Ele acreditava tratar-se de desova daquele jagunço à mando que esperava um ano inteirinho para depositar os cadáveres – alguns já em decomposição – na praça da Campina da Cascavel. Ou então que esses corpos eram postos ali por várias pessoas já que o assunto dos enforcamentos era comentário nos quatro cantos de Santa Catarina. E então resolveu mandar um telegrama para a capital que colocasse em todos os jornais do Estado informando que aquela pacata cidade não era local de desova e tampouco gostava de enterrar os mortos dos outros.
E no ano seguinte não apareceram mais enforcados na praça em sábado de aleluia.
Somente em meados de 1950 no governo de Aderbal Ramos da Silva é que houve a proibição da Malhação de Judas em Santa Catarina em virtude de acontecimentos condenáveis.