O jornalista e o vice-prefeito
O jornalista e o vice-prefeito
Era uma campanha política. Uma daquelas campanhas pesadas, com discursos inflamados e tensa entre adversários políticos. Um dos candidatos a prefeito tinha como coordenador de sua campanha o vice-prefeito da gestão de seu colega de partido e um jornalista da cidade. Para montar os programas de TV a serem apresentados no horário político, tinham que se deslocar a uma cidade próxima, onde ficava a sede de uma emissora que montava os programas. Ambos se deslocaram até a cidade para elaborar e montar mais alguns programas de televisão que deveriam ser apresentados nos dias seguintes.
Depois de fazerem todo o trabalho, quando se trafegavam pelo centro da cidade, encontraram um amigo empresário, companheiro de partido que tinha se transferido para aquela cidade. O diálogo foi de alegria e sobre política, obviamente.
Como o assunto rendia, o empresário convidou os dois para irem até seu escritório que, curiosamente, ficava localizava-se no seu motel, na saída cidade. Ele era dono de um dos mais freqüentados motéis da região. O vice-prefeito embarcou no carro do empresário, enquanto o jornalista levou o carro em que estavam. Aliás, o carro estava totalmente coberto de propaganda eleitoral do candidato a prefeito, entre outros.
Chegaram ao motel, entraram e ficaram por lá no escritório com o empresário em torno três horas conversando.
Quando resolveram ir embora, já era noite. Aí, o assessor lembrou-se que estavam dentro de um motel, com um carro bordado de propaganda política do partido e certamente se alguém visse aquele veículo saindo do motel à noite, conduzindo o vice-prefeito e o assessor de campanha, seria um problema muito sério, afinal estavam numa campanha política acirrada e qualquer fato que pudesse ser usado para desmoralizar o adversário seria usado. Surgiu, então, o impasse. Como deixariam o motel no mesmo carro, cheio de propaganda, sem despertar suspeita se alguém presenciasse o fato? Afinal, seria quase impossível explicar a situação sem causar suspeita de que o vice-prefeito e aquele assessor tinham um caso e haviam se encontrado no motel.
A alternativa sugerida foi para que o assessor, que era caroneiro, abaixasse o banco no sentido horizontal e viesse deitado até que se afastassem do motel. Assim fizeram e saíram, sem antes ter esperar o movimento dos veículos que passavam na estrada diminuísse quase a zero. Quando isso aconteceu, o vice-prefeito arrancou como se estivesse numa prova de ‘quilômetro de arrancada’ e se mandou.
Ufa! conseguimos, disse o vice-prefeito. Nesse momento o assessor viu um automóvel dar um sinal de luz e ultrapassar seu veículo. Era o carro da mesma cidade, mas não foi possível reconhecer quem estava ao volante. Ao fazer a ultrapassagem deu duas ou três buzinadas curtinhas e aumentou a velocidade.
E agora, teria o sujeito visto os dois saindo do motel? Será que ele buzinou pra sinalizar que tinha vida a cena, afinal o movimento na estrada ao lado do motel era grande e, justamente nessas horas a preocupação em não querer ser visto às vezes acaba não permitindo ver o que acontece em volta, como por exemplo, um carro vindo de longe e perceber que aquele veículo bordado de propaganda tinha saído de um motel.
O vice-prefeito e o assessor silenciaram. Ficaram realmente preocupados, mas não tinham como saber se tinham sido vistos ou não.
Encontraram-se no dia seguinte no comitê eleitoral do partido. Lá, para os amigos, resolveram contar o episódio. Entre uma risada e outra contaram o caso e a surpresa ficou por conta da reação do candidato a prefeito que estava presente e que ouviu a história atentamente, sem dizer nada, mais sério ‘do que criança borrada’.
Ao final, disse que estava começando a entender o telefonema recebido naquela noite, de alguém que não conseguira identificar, insinuando que nos dias seguintes da campanha aconteceria um escândalo que o faria perder a eleição, desligando o telefone e deixando-o pensando o que poderia ser.
Silêncio total na sala. Ninguém mais respirou. O vice-prefeito e o assessor estavam em desespero. Quando imaginavam que tudo se encaminharia pra um final feliz, sem maiores conseqüências, viram que estavam enrolados.
Só voltaram a respirar meia hora depois, quando o candidato a prefeito deu uma baita gargalhada e confessou que pegou o ‘gancho do causo’ e emendou a mentira do telefonema do adversário político.
A gozação foi generalizada e só terminou com aquele tipo de piada, feita por um gaiato, daqueles que perde o amigo, mas não perde a piada. Em tom de brincadeira, perguntou, afinal ‘quem era quem na história’, insinuando que o caso não estava bem explicado e que os dois estavam tentando encontrar uma desculpa para justificar a ‘relação amorosa’ entre ambos. Foi o que bastou para que o assunto virasse tabu no ambiente.
Desconcertados, os dois acabaram tendo que engolir a brincadeira, concluindo que nada tinham de contar sobre o assunto. Naquele caso, concluíram mais uma vez que em boca fechada não entra mosca e que em campanha política motel é sinônimo de confusão, principalmente se o veículo estiver ‘bordado’ de propaganda.