Criação de Sacís

Criação de Sacis

Foi assim que eu acabei encontrando alguma coisa rentável para meu pequeno sítio.

Lembro-me de um tal de Dário, que vivia falando que criava saracuras. Dizia para todos os moleques que encontrava na rua, que tinha 82 e quatro chocando.

E ele também tinha um sítio, que era na direção de quem ia para Batista Botelho. Quando eu era menino, ia ao sítio dele a cavalo só para buscar leite. Durante a semana era uma enorme quantidade de meninos que aparecia lá na casa dele para comprar saracuras. D. Layde, sua mulher, ria muito, e dizia aos garotos que era tudo mentira.

Se só enganando já atraía freguês, imagine eu levando a coisa a sério.

Mas, voltando à minha nova idéia, depois de ter tentado um montão de coisas, planejei com muito cuidado a criação de sacis.

Quando eu era menino, sempre ouvia o saci assobiar à noite, mas nunca os tinha visto.

Ouvia também o tropel de cavalos. No dia seguinte, o cavalo que ficava lá no pasto acordava muito cansado e suado. Passara a noite toda galopando, com o danado do saci em cima. Montava "em pelo", fazia uma trança na crina do tordilho, e mais o cavalo corria assustado que nem precisava atiçá-lo. Mas, como saci é danado, batia mais ainda no coitado do cavalo, para que corresse o máximo que podia.

E olha que o pito dele ainda soltava fumaça. Queimava fumo de corda ruim, do mais barato encontrado lá no armazém do Pedrinho Câmara.

E o gorrinho vermelho ficava quase voando com o vento. Eu, agachado atrás da moita de colonião, ficava torcendo para ele perder o gorro. Primeiro porque queria saber se o saci era careca, depois, também porque se eu o pegasse, seria um troféu e prova para que os meninos lá da escola acreditassem que realmente eu tinha visto o saci. E esse gorrinho diziam que era encantado, quem o possuísse passava a ter muita sorte, e nunca coisa ruim aconteceria.

Mas hoje, isso já não importa mais. O que importa é que já nessa época, quando todos ficavam arrepiados só de ouvir falar do negrinho, eu nem medo tinha mais. E o danadinho sabia que eu ficava espiando-o açoitando cavalos na noite. Foi assim que eu fui chegando cada vez mais perto dele. Até que em dia nós proseamos um pouquinho. Ele assobiava muito forte querendo me assustar. Mas que nada, quanto mais ele assobiava, mais eu me aproximava. Ele corria como um doido fazia voltas, deu até algumas piruetas no ar, fazia estripulia e pulava a mais não poder naquela única perninha que ele tinha. Foi assim que ele percebeu que não me metia medo, e que eu fui percebendo que o danadinho era mesmo estranho. Não era grande não, beirava um metro, se tanto. Perguntei-lhe um monte de coisas, até queria saber quem foi que cortou a perna dele. Quem lhe dava aquele fumo horrível, e onde tinha aprendido a assobiar tão forte daquele jeito.

Foi assim que eu aprendi muito sobre esse bichinho.

Hoje em dia é muito difícil de encontrá-lo. Está cada vez mais raro. Também, coitado, está perdendo seu habitat natural. Até nos sítios não se encontram muito mais cavalos. Todos agora usam motos. A mata, as nascentes, as pastagens estão se acabando. Fumo de corda então, só lá pelas bandas do Pará que acho que se pode encontrar.

É claro, que essas coisas então, para os meninos nascidos na capital, que só conhecem frango no supermercado, e assim mesmo assado, seria uma coisa extremamente inédita.

Foi assim, pensando nos meninos que nunca viram essas coisas, e em seus pais, que provavelmente também não conhecem e sequer estórias dele ouviram, ou então só viram pela televisão, naqueles contos baseados no Monteiro Lobato.

Então, criar saci de verdade mesmo, só pode dar muito certo.

Uma vez tudo planejado, preparei o local lá para criar os pretinhos.

Eu acho que na verdade é que eles são almas de moleques arteiros, que quando criam juízo e param com as reinações, então elas ficam perambulando por aí e fazendo traquinagens. Esse também foi uns dos meus trunfos. Depois de conversar com saci, de ser moleque arteiro e de conhecer bastante o habitat natural dos danadinhos, seria muito fácil começar a criação.

Foi assim que eu saí bem cedo naquele fim de semana prolongado, com tempo suficiente para chegar lá pelos lados do Bairro do Cágado, onde morava o Seu Dionísio, perto de onde o Paranapanema espumava entre as pedras do Saltinho, lugar onde os pescadores pegavam dourados com fios de aço ao invés de linhas de naylon. Nesse lugar, naqueles idos de 1.950, se viam muitos sacis. Ali no passado passava trem, era caminho de estrada de terra batida, sentido para quem vai para Sarutaiá.

Eu sabia que lá ainda os encontraria.

Assim, logo na primeira noite, já ouvi um assobio distante, que me lembrei de imediato ser o do dito cujo.

Peguei o saco de estopa, e saí noite adentro, para me encontrar com os negrinhos a reinar na escuridão.

Aproximei-me sorrateiro, e ele é que ficou besta, pois não me assustava, e até que ele entendesse o que se passava, já estava dentro do saco.

Foi assim que cacei uns cinco ou seis. Tinha um meio raquítico, que soltei, porque bicho a gente tem que fazer seleção e ir melhorando a genética. Assim, se pode depois registrar, ter pedigree, etc... Aí é só começar a criação e vender pra outros aventureiros que estão à procura de ganhar dinheiro fácil. Foi assim com o caso do Boi Gordo, da Avestruz, e outras formas miraculosas de ganhar sem muito esforço, que depois deu tudo errado.

Bom, levei os bichos lá para o Sítio Santo Antonio, e deixei os bichos no confinamento.

Criação de coisa que você não conhece requer sempre muito aprendizado. É nisso também que a gente ganha, porque antes se paga caro para aprender.

Começa, que não conheço nenhum veterinário que saiba cuidar do bichinho. Demora a aprender que o neguinho não fica doente. Só que eles foram ficando meio tristes, porque não tinham muito como fazer suas macaquices. Mas logo se acostumam. Outro dilema é saber o que é que eles comem, pois só ficam pitando o tempo todo.

E eles, os doutores dos animais, não acreditam, começam a rir quando falo disso, e acham que estou pirando... Financiamento no Banco do Brasil então, só vendo aquela cara de muxoxo que o gerente fez. Resmungava dizendo só "Hummmmm" "Hummmmm" como a pensar ensimesmado... melhor não contrariar esse maluco...

É assim mesmo, nessa terra não acreditam nos empreendedores mais ousados e inéditos.

Entre as dificuldades, tem as vezes que eles começam a tramar contra os cuidam deles.

O coitado do meu caseiro então, não encontrava mais nada, deixava o facão num canto aparecia no outro, começava a picar capim para os outros animais e a chave caía desligando a máquina, e ainda assobiava assustando a mulher e o menino. Galinha choca então, ficavam frustradas pois todos os ovos goravam.

A vizinhança começou a reclamar que eles as assustavam e judiavam dos outros animais, que de medo paravam de comer, que as porteiras ficavam abertas deixando solta a criação... Leite então, nem bem tirado já azedava. Enfim, tudo o que acontecia na redondeza a culpa era lá dos pretinhos, eu era culpado devido o criadouro que eu mantinha e acabou o sossego naquela freguesia.

Mas a gente foi aprendendo devagarzinho a lida com esses bichos. Descobri até que o Dia do Saci é 31 de Outubro no Brasil, acho que para combater o Halloween americano, afinal, se temos nossas crendices, porque importar mais. Assim os danadinhos querem presentes no mês do folclore (agosto) e também no dia deles... são muito espertos!

Ainda dentro das lendas, cabe destacar o folclórico personagem do Saci. Este clássico do folclore brasileiro encontrou em Botucatu o seu lar. Imortalizado pelos moradores - que fazem questão de dizer aos visitantes que já viram um Saci, este personagem ganhou até mesmo uma Associação Nacional de Criadores de Saci, com sede no município, evidentemente com o intuito de divulgar o folclore. A partir daí, passou a ser também conhecida como a Capital Nacional do Saci.

Mas o que eu não vou contar mesmo, é o principal segredo dessa criação.

É com isso que eu acho que vou ganhar muito dinheiro.

Até agora vocês só me ouviram falar dos sacís. Mas ninguém sabe, e ninguém nunca ouviu falar dos Sacis Fêmeas. Aí é que está!

Bom, se vocês esperam que eu conte esse segredo, estão muito enganados.

Mas uma dica eu vou dar: para descobrir se um sací é fêmea ou macho, tem que ter muito jeito... e esse jeito, ...

Bom outro dia a gente continua essa prosa... mas se quiserem comprar sacis, já tenho alguns para vender... é só passar lá e a gente pode fazer um bom negócio. Garanto que é lucrativo. Dou assistência, etc... passa lá...

MARCO ANTONIO PEREIRA
Enviado por MARCO ANTONIO PEREIRA em 13/04/2007
Reeditado em 04/06/2013
Código do texto: T448780
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