LUCY.
Na minha juventude com pouco mais de 20 anos, era amarradão em uma balzaquiana, isto é, mulher de 40 anos. Por ironia das coincidências mudou para o Vilarejo onde eu morava com meus pais uma viúva, ela comprou uma casa confrontando com a nossa. Tinha mais ou menos uns 40 anos., mãe de um único filho que estudava fora. Era de uma beleza exuberante , pelos trajes e comportamentos, diferenciava dos padrões matutos do lugar, tinha esmerada linguagem, diferente do linguajar caipira dos habitantes do Vilarejo, daí pelo o imaginário dos moradores era vista como granfina . Não era magra e nem gorda, olhos castanhos, altura mediana, tinha uma silhueta corporal “violão” que me deixava encantado. No interior, os jovens tinham o costume de se masturbar pensando em determinada mulher, principalmente as mais bonitas, dizia-se” em louvor” era um verdadeiro sexo platônico que os padres no confessionário proibia este pensamento pecaminoso. Embora com a consciência pesada a minha vizinha gostosa estava sempre comigo em pensamento, palavras e ejuculação .
Nesse Vilarejo tinha o costume visitar os novos vizinhos, era uma maneira de demonstrar solidariedade e afirmar-se em gestos de boa vizinhança. O dia que minha mãe foi fazer a tradicional visita, fui junto, era uma chance de ver de perto a bela vizinha, fomos recebidos com carinhosa atenção. Rolou uma química entre eu e a linda Dona Lucy.
Dona, senhora e senhorita, era o tratamento respeitoso e obrigatório, quem saísse disso, passava-se por atrevido.”nunca te dei confiança!” era um bordão para reprimir o atrevido.
Se surgisse um adultério, a mulher sofria um apedrejamento psicológico. Se tivesse na época da música do Chico Buarque “ joga boxta na Geni” o plágio seria:- joga bosta na Lucy. Ela sempre preservava sua reputação, nunca iria receber titica na cara.
Lucy era filha de professora ginasial, estudou até o ginásio, abandonou os estudos para casar, mas lia muito e era eclética, vi em sua estante Shakespiare, Rousseau , Victor Hugo e tantos outros que fugiu-me da memória, mas tinha também coleções de cordéis e de trovas. Foi por aí que entrosamos , nossa convivência era tanto que começaram cochichos que tínhamos um caso, mas na realidade eu estava vivendo aquele bordão; “ com o bico n’água e morrendo de sede”. Como de costume era Dona Lucy pra lá, Dona Lucy pra cá, um dia criei coragem e fiz uma declaração petulante. Dispensei o tratamento dito respeitoso e parti para o ataque:- Lucy, você entrou na minha mente e coração, não me sai do pensamento dia e noite, eu precisava desabafar,não quero só sua amizade, quero o seu amor. Ela me respondeu: “ Lair, esse nosso relacionamento não pode passar de amizade, tenho um filho da sua idade, já tem gente batendo com a língua nos dentes.” Eu a cortei num aparte:- vamos acabar com essas fofocas, casa comigo! Era coisa de apaixonado, pois não tinha nem eira nem beira. Mas uma vez Lucy me deu um parecer educado e equilibrado , ela me disse com muita calma:- “ Lair, você pensa que me ama, você tem atração por mim, quando as rugas invadir meu rosto,esse meu corpo virar um colchão amarrado pelo meio, ai então você vai ter vergonha de mim, vai ser infeliz e eu mais ainda, De repente pode até me abandonar por um “brotinho,” esse era o galanteio dirigido as mocinhas da época. Embora eu jurasse amor eterno, não a convenci casar comigo. Naquela tarde o azul do céu ficou cinzento, quase cheguei tentar contra minha própria vida. A rapaziada machista e depravada insinuavam com um bordão chulo da época, “ Tá rosetando a coroa heim?” Na realidade não rolava transa, não por mim, mas por ela que morria de medo de ficar “ FALADA”. A menina que fazia limpeza em sua casa me disse que Lucy estava sempre chorando pelos cantos. Então descobri que ela me amava.
Poucas semanas depois meus pais mudaram e eu fui com eles, achei até bom, era uma maneira de tirar Lucy da minha cabeça, mas quando tinha oportunidade queria saber notícias dela. Soube tempos depois que ela casara com um professor de São Paulo, bem mais velho que ela. Chegou a ficar viúva pela segunda vez.
Por mais uma irônica coincidências da vida, passeando na belíssima Juazeiro do Norte CE, conversa vai, conversa vem, conversei com um primo da Lucy. Ela faleceu na cidade de Campinas SP aos 89 anos.
A atriz Débora Block, lembra-me um pouco a Lucy.
Ela me incentivou muito para a poesia. Fiz essa modesta trova em sua homenagem.
Saudade da doce Lucy,
Judiaste tanto comigo,
Sofri muito e muito por ti,
Foste o meu doce castigo.
Lair Estanislau Alves.