O CUMPADRE ZÉ CANGUIRA
Era uma aldeia nos cafundó dos cafundós... Aquele povo vivia à mercê da sorte. Morria criança até de catapora quando a benzeção não vingava.
Um dia, apareceu um governo “dos mió”, como diziam, e levou assistência para aquele sofrido povo. Foi um fuzuê danado quando chegou a comitiva da saúde. No centro da vila, se é que poderia chamar de tal (debaixo de um grande bambuzeiro), fez-se uma imensa fila pra cadastrar os sobreviventes. Os problemas de saúde eram tantos que os “saudeiros” resolveram globalizar para ficar mais fácil controlar.
Vinham famílias inteiras e os diagnósticos eram, por exemplo: “Família Silva; dentadura pro vovô, pra mãe, atestado de invalidez pro pai, lombrigueiro pros adultos, pros mininos...” Quando viam alguma doença mais perigosa, os “saudeiros” perguntavam pela religião da pessoa, sabendo-se que na capital tinha algumas religiões que não aceitava transfusão de sangue.
Lá no meio da fila vinha o Zé Canguira, home rude das montanhas com sua prole; sem mulher que tinha morrido na última parição. Na sua vez, o diagnóstico era como os demais até chegar em seu filho mais novo. O menino, salvo pela parteira, tinha uma enormidade de enfermidades, motivo pela qual, perguntaram pro Zé Canguira:
- Religião do minino? Naquela barulheira, respondeu o Zé:
- Ele só tem seis ano!
- Estou perguntando a religião!!! Gritava desesperado o “saudeiro” do governo.
- Só seis ano!!! Retrucava o Zé. Apareceu o chefe dos “saudeiros” acalmando os ânimos:
- Mas o senhor foi batizado, não foi?
- Claro.
- Por quem? Perguntava o “saudeiro” se achando solucionador do entrave.
- Meu pai.
- Então o senhor é católico, não é?
- Não sei, era muito novo, não me lembro!
- Mas se o senhor não sabe, quem vai saber?
- Então! Isso queu to falano! Quem vai sabê a riligião do meu fio sele só tem seis ano!!!!
- ...
E eu a imaginar que, em pleno século Vinte e Um, ainda existem guerras, conflitos de dogmas, onde os grandes chefes da política e da religião, subtraem do ser humano seu mais importante direito; de viver em paz.
JOSÉ EDUARDO ANTUNES