O JANTAR E A DECEPÇÃO
"... o bom bode num berra..."
Volto hoje a me inspirar nos contos do “Joãozinho Giannazi”. Não posso e nem tenho tanto talento para fazer com que o texto fique próximo do original. Recomendo aos leitores que vejam: “Histórias que vivi... e outras que me contaram...”
Clemente da Silva Soares, antes chamado de seu Quelemente e agora seu Quelé, veio de outra região tentar a vida nos sertões do oeste de S.Paulo. Viúvo sem filhos, quarentão, trouxe como companhia um casal, mais ou menos da mesma idade para ajudá-lo na lida da nova propriedade. Onde ficava seu sítio não sei direito. Distava mais ou menos três léguas da Vila de Conceição do Monte Alegre.
De certa feita resolveu vir conhecer melhor a Vila e, para aproveitar, traria uns vinte frangos, que já estavam passando do ponto, mais dez palmitos, que a vizinhança vinha colhendo como se fossem frutos do mato, quer dizer: Era só colher... Não precisava pedir...
Montou um cargueiro no seu cavalo chamado Janota e se mandou, ainda de madrugada, para que os frangos resistissem melhor ao calor. Chegando, montou sua barraca no chão do canto da praça. Já estava o sol a pino, quando a barriga deu seus primeiros roncos sinalizando hora de almoço. Nisso aparece um engraxate que logo se decepcionou ao ver que o potencial freguês usava uma sandália de couro cru onde graxa não faria falta e nem vantagens. Seu faturamento andava em baixa uma vez que pouca gente na Vila andava calçado. Depois de uma conversa de entrada, seu Quelé percebeu que poderia fazer do menino um parceiro que tomasse conta de seu comércio enquanto dava uma fugidinha para o almoço. Deu as informações necessárias ao Juvenal, esse era seu nome, segundo o próprio, caso algum freguês aparecesse, visto que o estoque já estava prestes a se esgotar. Quando voltou, na prestação de contas, ficou sabendo que Juvenal tinha vendido mais três frangos e dois palmitos... Tudo contado e tudo certo. Mas o menino Juvenal era curioso e quis saber onde seu Quelé havia almoçado, pois o viu se encaminhar para os lados do Boteco de seu Joaquim e era sabido que ali não serviam refeições. Ficou sabendo que seu pretenso patrão tinha comido apenas um sanduíche de mortadela e dois copos de refresco de groselha. Mas agora quem ficou curioso foi seu Quelé. Por que tanto interesse no que comeu ou deixou de comer? E Juvenal foi tranqüilo: É que minha Mãe que é viúva e vive só comigo, de vez em quando serve refeições para ajudar no nosso sustento. Descreveu a Mãe como mulher nova ( mais ou menos 25 anos), morena, olhos claros, nem gorda e nem magra, e assim foi esculpindo a imagem de sua genitora como a de uma fada... Seu Quelé se interessou. Ali podia começar a solução para o fim de sua vida solitária... E Juvenal continuou o trabalho de divulgação. Que ela se chamava Rosinha. Que seu Elias sapateiro, sempre jantava lá. Que ela preparava uma comida gostosa. Tomava banho, passava perfume, punha um vestido de chita bem solto, penteava os cabelos, que mesmo tentando não deixavam de ficar cacheados. Ai seu Elias lhe dava um dinheiro para comprar doces e bolinhas de gude. Que era para ficar jogando até que ele batesse o portão e fosse embora...
Seu Quelé então partiu para a negociação. Pediu para encomendar um jantar, mas só para um. Foi um pé lá e outro cá... Minha Mãe mandou dizer que precisa de comprar arroz e feijão porque o dela está muito pouco... Um mil reis foi-lhe entregue e que trouxesse o troco. Pouco depois, como relâmpago, está de volta, mas sem o troco que havia sido gasto com temperos. Tinha esquecido parte da lista de compras. Faltara a mistura. Precisava de mais dinheiro. Seu Quelé agora entrou com mercadoria. Escolheu um dos melhores palmitos que restara e um bom frango (o mais gordo). O esperto atendente informou que morava na beira do rio numa casinha de portas verdes, mas que ele viria avisar quando tudo estivesse pronto. Seu Quelé sentia um agradável calafrio interno provocado por uma paixão iminente. Enfim sua vinda para o sertão começava a dar os primeiros sinais de recompensa. Ficou aguardando e logo seu estoque de mercadoria chegou ao fim. Tinha feito uma boa arrecadação, mas o melhor ainda estava por vir. Deu cinco e meia da tarde e nada do mensageiro gastronômico. Impaciente, montou o Janota e partiu pra beira do rio. Tinha muita mata e nada de casas, muito menos de portas verdes. Perguntou por um menino chamado Juvenal e por sua jovem mãe, Rosinha. E Seu Elias sapateiro? Nada! A Vila nem sapateiro tinha. Ninguém conhecia. Ninguém nunca tinha visto. Voltou ao centro da Vila e de longe viu a alegre figura, embaixo de um poste, mais uma turminha jogando “parmo parede”. Foi jogando o Janota por cima da turminha que reclamou que se tratava de jogo a “ganho” e que não era a “brinca”. Gritou pelo nome de Juvenal, o que causou espanto nos demais. Aqui “num tem nenhum Juvenal”. Esse aí é o Tito (Calixto). Seu Quelé, empunhando um “rabo de tatu”, ameaçou dar um corretivo no pequeno desafeto, mas foi desencorajado pela turma que tudo assistia na porta do Boteco “Úrtimo Gole”, que gostava de ver entrave de gente grande e não de grande contra pequeno. Disseram então que o Tito era criado com os avós, gente de muito respeito. Diante da possibilidade de transformar a sua visita à Vila em acontecimento de lembrança nada agradável, chegou a espora em sua montaria e pegou o rumo de casa. Tinha sido passado para trás e por um pirralho. No caminho vinha pensando que bem poderia achar, pela propriedade, um bom negócio e sumir dali antes que caísse na boca do povo na figura de otário.
Na porta do boteco ”Úrtimo Gole”, chega o velho Euzébio (Avô de Tito), todo gabola das qualidades do neto, que em terra de poucas botinas, conseguiu ganhar num só dia o suficiente pra levar para a mesa um bom frango e um palmito, sobrando ainda 1 mil Reis para comprar as bobagens de moleque... (oldack/12/01/011).