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A CASA VELHA
A CASA VELHA
No caso anterior A Picada Abandonada. Nós vimos que Gervázio começou namorar Sofia, pois é eles casaram e foram morar longe e foi com ele também que aconteceu este episódio que vou contar.
Depois de aproximadamente um ano de namoro Gervázio e Sofia decidiram casar. Por tratar-se de famílias já conhecidas os pais não fizeram nenhuma objeção. O casamento foi marcado para o inicio de setembro assim que terminasse a colheita do café que era um período mais tranqüilo na roça.
Foi uma festança da boa, churrasco, leitoa assada, muitos frangos, macarrão, comida à vontade. Havia também diversas espécies de doces, de abobora, batata, goiaba e o tradicional bolo.
Para beber, numa festa destas não podia faltar cachaça. Havia cervejas, refrigerantes e os vasilhames eram todos de vidro retornáveis. Nas fazendas ninguém tinha geladeira, então as bebidas eram colocados num tambor, daqueles de duzentos litros, com gelo e palha de arroz para aconservá-las geladas por mais tempo.
Assim que passou o casamento, o patrão de Gervázio convidou-o para tomar conta de uma fazendinha bem distaante dali, pequena se comparada com a que ele morava. Ele aceitou e assim o casal foi morar longe de suas famílias.
No inicio, foi um pouco difícil acostumarem. Era uma propriedade de uns oitenta alqueires onde cultivavam café, tinha um gadinho e uma tropa de serviço. O lugar era aconchegante, uma boa casa de tijolos bem arejada com uma varanda que pegava a frente e um lado, toda rodeada por árvores.
Saindo pela cozinha, havia o tanque com torneira para lavar roupa, água boa encanada de uma mina; mais abaixo do tanque, dois pés de jabuticabas, um pé de jaca, um de tamarindo, e, do lado da casa um pomar com várias espécies de frutas. Toda manhã eram despertados por uma algazarra de pássaros saudando a aurora.
Um pouco afastado, havia uma pequena colônia com seis casas para os empregados, na frente, um terreirão para secar café, uma tulha, uma mangueira para o gado e outra dos animais de trabalho.
Sofia, logo nos primeiros meses ficou grávida. Quando se aproximou o tempo de nascer a criança --- tudo mais ou menos calculado, porque ninguém ia ao médico --- Gervazio buscou numa fazenda vizinha uma parteira que era afamada na região, para acompanhar o final da gravidez.
Combinaram, entre o casal, que Gervazio buscaria uma irmã mais nova para passar um tempo com eles e ajudar a cunhada a cuidar da casa após o nascimento da criança.
Chegado o dia de buscar a irmã, à tarde o rapaz recolheu a tropa no curral, escolheu dois animais para a viagem: para ele uma mula ruana forte e ligeira que ele gostava de usar para o trabalho de correr os serviços, e um cavalinho baio marchador que era para trazer a irmã.
Tudo arrumado para a viagem, ele resolveu sair à noite, seria menos cansativo para os animais já que era uma longa distancia, fazia calor e o sol era muito quente.
Passado um pouco da meia-noite, Gervázio calçou as botas colocou a guaiaca, do lado esquerdo uma faca do direito um revolver 32 e algumas balas, amarrou a capa de boiadeiro atrás do arreio, despediu -se da esposa deixando-a aos cuidados da parteira e saiu.
Depois de aproximadamente uma hora e meia de estrada, ele notou uns relâmpagos longe. Passado mais um tempo começou um vento e o temporal chegou rápido prometendo ser uma chuva forte, o que o fez pensar: "Vai ser difícil para os animais andar nesta chuva". Já ia parar, mas viu logo adiante numa curva da estrada, uma casa. Apertou o passo e chegou até lá.
Era uma casa velha, pelo seu aspecto notava-se que há muito estava desabitada. A porta da frente estava aberta e uma janela do quarto pendurada só em uma dobradiça, e ele pensou: "Dá para proteger da chuva". Parou, amarrou os animais numa árvore, cobriu o arreio com a capa e dirigiu-se a casa.
Quando Gervazio chegou à porta, já chovia. Ele pisou na soleira, e nisso deu um relâmpago forte. Ele avistou num canto da sala dois vultos parecendo duas pessoas, pensou que também eles estavam se protegendo da chuva, disse boa noite, não teve resposta, agachou no outro canto e ficou quieto. A chuva foi pesada e demorada. Com os relâmpagos, ele percebeu que os vultos eram um casal de velhos, cabelos brancos e roupas pretas.
Parada a chuva, o tempo limpou de repente e apareceu a lua. Aquelas duas pessoas que Gervásio viu, saíram pela porta da frente e pegaram a estrada. Ele saiu em seguida, olhou atentamente o chão, não viu sinal de pegadas na areia em frente à casa, foi até à estrada não mais avistou os dois nem marcas de seus passos.
Gervázio pegou os animais e seguiu caminho. Logo após a curva existia um trecho de mata fechada com grandes árvores que sombreavam a estrada deixando-a bem escura. Ele ia pensando no que acabara de acontecer sem encontrar uma resposta satisfatória para o ocorrido.
Durante o percurso no mato, ele percebeu que o ritmo da marcha diminuíra, o cavalo que ele puxava parecia cansado com um peso excessivo, mas tocou em frente. Ao sair do mato, novamente no claro da lua, olhou para trás e vê montado no cavalo o casal de velhos,. Instintivamente, fez o sinal da cruz e gritou:
--- Valei-me, nosso sinhô Jesus Cristo!
Ouviu um baque no chão e não viu mais ninguém.
Chegou clareando o dia à casa do pai, deu uma boa porção de milho para os animais e os soltou no pasto para descansarem. Passou o dia todo com a família, à tarde sua irmã disse:
--- Vamo viaja, à noite, Gervázio, é mió pus cavalos.
Ele respondeu:
--- Não, não, vamo descansá a noite. Vamo di dia memo.
Saíram no outro dia bem cedinho. Durante o dia a viagem foi mais demorada devido ao sol; pararam num riacho para as montarias beberem água, descansar um pouco, e seguiram.
Na volta, ao passar pela mata, o rapaz vinha pensando no que acontecera à noite, mas não disse nada a irmã para não assustá-la. Passando em frente à casa velha, Gervázio olhou, não viu nada, mas teve a sensação de que alguém lá de dentro os espiava. Disfarçadamente, fez o sinal da cruz, riscou a espora de leve na mula para apressar o passo e começou a cantar uma velha melodia para afugentar as idéias.