Asdvencia Emilia
Esse causo aconteceu há muito tempo atrás e muitos filhos da Campina ao lembrar ainda sentem o medo percorrer a espinha.
Asdvencia Emilia era uma mulher de idade muito avançada e todo mundo tinha muita dificuldade em falar o primeiro nome dela, portanto, chamavam-na de Asdê. Ela era uma das benzedeiras da Campina e as pessoas sempre recorriam a ela quando estavam com alguma dificuldade de ordem pessoal ou para tirar as bichas das crianças. Usava um chapéu de palha com um forro de seda marrom, quase dourado e lá tinha uma estranha inscrição que ninguém sabia o que era e só era vista quando ela tirava o chapéu para coçar a cabeça.
Numa benzedura de criança com “macaquinho”, Asdê desabafou com a mãe do menino dizendo que já estava cansada da lida, que tinha passado dos cento e poucos anos e que já deveria ter morrido; não fosse o chapéu que lhe dava as forças para continuar. E a mãe lhe perguntou por que não tirava o chapéu para dormir o sono eterno, e a velha respondeu que não conseguia; que era como se fosse parte do seu corpo.
Em pouco tempo o povo da Campina soube do ocorrido e as idas à benzedeira eram maiores que o normal. Foi num piscar de olhos que a comunidade relacionou a vida longeva de Asdê com o chapéu, fazendo do dito cujo um objeto de desejo. Agradava a todos a ideia de uma vida eterna.
Começou um agitamento entre os mais interessados, que ficavam de tocaia em algum mato para pegar o chapéu da velha e sumir. Tudo sem sucesso.
Um dia, já cansada de ter que ficar se defendendo das pessoas sem entender muito bem o que estava acontecendo, Asdê perguntou para o primeiro benzido: “Meu fio, que acuntece ca veia? Por causo di que querem pegar a veia?” E o benzido respondeu que era por causa do chapéu e contou tudo o que sabia, inclusive das tocaias.
Asdê pensou, pensou e resolveu que no próximo sábado, na Missa das oito do Padre Dimas ela ia pedir a palavra e pediu de fato. Foi durante o sermão e ela fez uma proposta para aplacar a ganância de alguns.
Ela contou que tinha nascido em 1815 e precisava descansar e disse que para ter o chapéu era necessário que aparecesse lá na casa dela duas mulheres e dez homens, um para cada mês do ano com o mesmo intuito em seu íntimo, que ela não disse qual era e que no fim dos doze meses entregaria o chapéu e disse também que um homem de março lhe traria a morte e depois do seu passamento as pessoas dos meses do inverno é que deveriam levar o seu caixão para o cemitério.
O Padre Dimas não parava de se benzer enquanto Asdê proferia a própria sentença de morte. Algumas beatas estavam ajoelhadas a rezar o terço e todas as crianças choravam.
E ela voltou como se tivesse esquecido alguma coisa e disse: “Ieu ispero o primero homi.”
Dessa forma o povo sabia que a pessoa do mês de janeiro era um homem, e assim sucedeu mês a mês e só em julho e outubro apareceu na casa de Asdê as duas mulheres requeridas e ansiosas pelo chapéu.
Essas doze pessoas não eram todas da Campina, tinha um homem que veio fugido de Palmas para se apresentar em novembro.
Nenhum deles sabia dos outros e ninguém sabia quem se apresentaria para Asdê. Bastava que chegassem à porta que ela dizia que o mês estava findo.
O final do ano chegou junto com a expectativa da entrega do chapéu e Asdê não entregava o chapéu para ninguém e ninguém pedia nada com medo de saber o que aconteceria depois. Sucedeu que no final de fevereiro, a velha pediu a palavra ao Padre Dimas na Missa das oito só para dizer que aquele que receberia o chapéu teria uma dor que começaria no pé e explodiria na cabeça numa força de luz, e que nenhum daqueles que se apresentaram a ela era o escolhido e este, iria por conta própria requisitar o que era seu por direito.
Dias depois, já no mês de março, a mãe de um menino bichento encontrou o corpo de Asdê jogado no meio do mato. Encontrou também um homem desconhecido - aquele de Palmas - com o chapéu dela na cabeça e jazido também.
As pessoas, muito comovidas com a morte de Asdê resolveram enterrar o chapéu junto dela, não sem antes ler o que estava escrito no forro do chapéu e que se apagou logo em seguida: “E a justiça olhou do alto do céu porque o homem não pode receber coisa alguma, se não lhe for dada do céu.”