O anjo protetor
Tinha pela moça uma afeição paternal, razão suficiente para se preocupar com ela. Como ocupava o tempo? Como ganhava a vida?
Quando ela passava pelo corredor escuro da pensão, o ar parecia se iluminar com o seu perfume de sabonete, o banho recém tomado, os cabelos ainda molhados.
Seu Almeidinha a cumprimentava, sem ousar uma conversa mais prolongada para não entrar em suas intimidades. Mas a olhava de longe por muito tempo, a acompanhando na rua, de tardinha, sempre que ela saía.
Foi assim que descobrira que ela era uma garota de programa. Pensava em falar com ela, em alertá-la dos perigos que aquela vida trazia. Mas não tinha coragem.
Uma vez chegou a presenciar uma discussão acalorada em que um cliente chegou a agredi-la, empurrando-a. Mas não passou disso: um empurrão.
Seu Almeidinha pensou que ela deveria arranjar um cafetão para tomar conta dela. Para isso serviam os cafetões, para proteger as garotas de programa de clientes mais afoitos, aqueles carentes cujo desejo apaixonado é capaz de machucar, de agredir, de matar.
Um dia falou com ela, foi difícil, mas ele falou sem rodeios o que pensava a respeito da vida que ela levava. Falou sobre o anjo protetor, o cafetão. Mas a garota não deu a menor importância. Era esperta, saberia se defender muito bem.
De noite, na cama, seu Almeidinha não conseguia dormir. Levantava-se, trocava de roupa e ia para a rua onde ela fazia ponto para velar por ela. E nada acontecia. O ar frio da noite, a chuva fina o ensopava e logo uma tosse persistente o acompanharia.
Uma noite, os seus piores temores se concretizaram. Não era ainda duas horas da manhã e um brutamontes a apertava de encontro a um paredão. Até aí nada. Mas depois ele meteu a mão em sua bolsa e arrancou dali o dinheiro. Depois deu duas bofetadas, uma em cada face...
Era demais; seu Almeidinha partiu para o ataque com todas as suas forças que não eram muitas. Pulou nas costas do brutamontes e passou a esmurrá-lo a esmo.
Mas, livrar-se de um corpo frágil como o de Seu Almeidinha era muito fácil. O brutamontes simplesmente virou-se para a parede e esmagou o velho de encontro a ela. Ele caiu e o homem passou a chutá-lo impiedosamente:
- Te mostro, velho.
- Espera, Geraldo, pára, é o seu Almeidinha.
O corpo do velho estava enrolado aos pés do homem como um saco de estopa inerte.
- É seu conhecido?
- Mora lá na pensão. Seu Almeidinha, coitado...
Levantou o corpo do chão e limpou o sangue do seu rosto.
- O senhor não disse para eu arranjar um cafetão? Pois é, eu arrumei. É esse aqui, o Geraldo.
- Prazer – disse Geraldo lá do alto.
- Vem cá seu Almeidinha, eu vou te levar de volta para casa. Eu vou cuidar do senhor.
Caminhando no escuro, um amparando o outro, pareciam uma família. Seu Almeidinha passou a língua pelos seus parcos dentes e percebeu que havia perdido mais um.